Notícias de Puno

Estou em Puno, às margens do Lago Titicaca, mais 3.800 m acima do nível do mar. Desci no aeroporto de Juliaca, a 44 km daqui. Estou me aclimatando para encarar a Trilha Inca Longa. Por via das dúvidas tomei um chá de coca ao chegar no hotel e já tomei uma soroche pills, uma novidade farmacêutica que promete acabar com o mal da altitude. Fui ver a composiçao: basicamente aspirina e cafeína. Pouco mais que um placebo, mas parece que funciona, pois nao estou sentindo nada de muito diferente. Mal nao faz. Mas estou seguindo as regras básicas: comida leve, chá de coca e muita água.
Dei sorte nesta chegada em dia de sábado pois exatamente hoje começaram os preparativos para a fiesta da Mamita Candelária, a padroeira de Puno, que vai acontecer em fevereiro, e assim pude assistir a primeira apresentaçao da Morenada Central, uma fraternidade que reúne os moradores da regiao para homenagear a padroeira carregando um andor, vestindo suas melhores roupas típicas - algumas bem européias - e dançando ao som de bandas de metais e percussao. No You Tube tem a coreografia e aqui uma acusaçao de suborno na competiçao deste ano. É, aqui em disso também.
Como aconteceu no México com Nossa Senhora de Guadalupe, o culto à Mamita Candelária é, na verdade, o prosseguimento dos cultos pré-hispânicos sob a capa dos ritos católicos, impostos pelos colonizadores espanhóis. As danças mal disfarçam isso. Claro que a Igreja sempre soube disso mas aceita o jogo, bem jogado pelos dois lados, aliás. O resultado é a sobreviência dos ritos herdados dos aimarás e dos incas sob essa capa católica. Até as representaçoes de Nossa Senhora foram ajustadas para absorver as formas anteriores, basicamente um triângulo cheio de significado para as populaçoes locais e muito bem apropriado pelos pintores da escola cuzquenha. O resultado é bonito de se ver. A dança lembra algumas de Nova Orleans e a das nossas baianas no Carnaval e na festa do Senhor do Bomfin, em Salvador. Aliás, como diria Isidoro Alves, isto aqui é também um carnaval devoto. E como acontece com nosso Círio e com a fiesta de Nossa Senhora de Guadalupe, sua perpetuaçao está garantida pela presença das crianças e dos jovens.
Fui jantar no La Casona, um restaurante que é também um museu. Peguei leve, para nao desafiar o soroche: torreja de quinua, sopa de quinua e panqueca de quinua. A quinua foi descoberta pelo mundo e agora está nos melhores cardápios. Já é encontrada até mesmo nos supermercados de Belém. Vinte anos atrás só quem passava por aqui era apresentado a ela, geralmente depois de ser alcançado pelo soroche, ocasiao em que a receita básica era descansar e tomar sopa de quinua. A quinua foi domesticada pelos incas, como a batata, o que aconteceu exatamente aqui em Puno. É cultivada e preparada até hoje como faziam os incas: tem que ser lavada quatro vezes em muita água para retirar uma toxina chamada saponina e só depois dessa preparaçao fica pronta para o consumo. A quinua caiu no gosto dos chefes do mundo inteiro e já se encontra nos cardápios dos restaurante até mesmo um prato chamado quinoto, que é o risoto de quinua. Essa combinaçao que fiz aqui em Puno é muito delicada e agrada os paladares mais exigentes.
Amanha vou passar o dia com os uros, povo andino que se diz o mais antigo do mundo, e vou pernoitar em uma casa de moradores da Isla Amantaní, no Lago Titicaca.
Comecei meu mergulho na América profunda.

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