Notícias do Caminho - de Santiago a Negreira
16 de maio de 2010, domingo. Acordei cedo como sempre, mas saí do albergue um pouco mais tarde que de costume, umas sete horas da manha fria, mas sem chuva e com cara de que ia fazer bom tempo. Fomos para o Obradoiro e nao havia ainda muito movimento. O lixo se acumulava por todas as partes, pois a greve dos garis continua. Encontramos o padre que rege o coral da Catedral e ele nos deu as boas-vindas, que aceitamos. Nunca é demais ser bem-vindo e aqui a idéia é essa mesmo: acolher bem o peregrino. A praça estava cheia de cavaleiros e alguns poucos peregrinos. A festa aqui é das letras galegas e por isso as coisas vao ser animadas. Estao animadas desde ontem. Mas temos que seguir e depois de passarmos pela frente do Hostal de Los Reyes Católicos nos encaminhamos para a saída da cidade. Sei que tenho de passar pela Carballera de San Lorenzo, mas a rua está em obras e me atrapalho. Uma senhora grita da sacada que esto no rumo certo. É sempre assim no Caminho: na hora da dúvida sempre tem quem aponte a direçao correta, seja uma pessoa, seja uma seta garatujada por maos anônimas, seja um milladoiro iniciado por outro peregrino que também teve dúvida antes.
Na Carballera encontramos mais cavaleiros, que já haviam feito o caminho de volta de Finisterre. Mais adiante encontramos alguns que ainda iam para Finisterre.
Logo estamos enfiados no bosque de eucalipto que foi incendiado em 2006 e em abril de 2007 quando eu e Araceli passamos aqui ainda dava para sentir na manha fria o cheiro da essência de eucalipto queimada. Agora a natureza fez sua parte e o bosque já rebrotou. As árvores tem as marcas do incêndio, mas a vida venceu e o cheiro bom continua.
Pode parecer estranho que se queira prosseguir para Finisterre, depois de chegar a Santiago. Mas a mim agrada muito esse caminho adicional, que sei ser um caminho pagao, associado a ritos de fertilidade muito antigos. Por isso mesmo este pedaço do Caminho nao é, digamos assim, oficial. Nao pertence ao Itinerário Cultural Europeu e a Igreja nao o prestigia. Mas a Xunta de Galicia sim. Por isso mesmo emite uma credencial e fornece uma Finisterrana para quem caminha até Finisterre.
Voltamos à Galícia rural, das vacas e estábulos. Aqui nessa parte o feno está sendo colhido. Tudo mecanizado. Um implemento corta e depois de murchado uns dias é recolhido e enfardado em rolo por outro implemento. Um outro plastifica e ficam asqueles imensos rolos pretos ou brancos para alimentar as vaquinhas o ano inteiro. Galpao com silo aqui nao tem frango, como no nosso Pará, tem vaca. Vacas silenciosas que se deixan ordenhar pacientemente. Todos produtores de leite tem seu tanque de resfriamento e o caminhao leiteiro é companhia certa pela manha.
A greve dos garis afetou também a coleta ao longo destas cidadezinhas. Encontramos pelo menos um conteiner de lixo incendiado. A Xunta acusa os grevistas pelo vandalismo. O líder sindicalista nao assume o delito e diz que nao está de acordo com isso. Sabe como é.
O sol forte nos faz retirar camadas de roupa e passar protetor solar. Para minha surpresa, tem muitos peregrinos no Caminho.
Nesta etapa aparecem muitos hórreos, alguns verdadeiras obras de engenharia, pois as pedras sao equilibradas uma sobre as outras sem uso de cimento. É pura física e bom uso da lei da gravidade. A primavera encheu o Caminho e as casas de flores, silvestres cultivadas. Antes da uma da tarde passamos em Ponte Maceira, depois de passar por aldeias tipicamente galegas como Carballal, Sarela de Abaixo, Quintans, Lombao, Susavila, Augapesada (ou Aguapesada) e por aí afora. Logo passamos por Burgueiros e Barca e chegamos ao nosso destino, Negreira.
Passamos a cidade toda, que neste domingo já está na hora da siesta. A feira dominical já está sendo desmontada, na pracinha com a comovente escultura do imigrante que parte e é seguro pelo filhinho pelas calças, enquanto a mae fica chorando com outra criança no colo. Lembrança dos tempos ruins que fizeram os galegos se espalharem pelo mundo inteiro, em uma impressionante diáspora. Em Ushuaia, cidade mais austral da Argentina, uma outra escultura celebra esses galegos imigrantes. E em Finisterre também há outra com esse mesmo mote.
A hospitalera que nos atendeu em 2007 aposentou e agora somos atendido pela simpática Rosário (Xaro).
Reencontramos Angela, a californiana que vive em Chicago e trablha na Universidade de Notre Dame e ficamos alegres por isso, pois fazia alguns dias que nao nos encontrávamos. A alegria desses reencontros respondem por boa parte da felicidade que é fazer o Caminho. Almoçamos juntos e para isso tivemos que retornar à cidade. O supermercado fechara. Voltamos ao albergue de maos abanando. Por sorte, logo passou o padeiro de quem compramos o jantar e o café da manha.
Encontramos um casal de peregrinos brasileiros, de Florianópolis, com quem compartilhamos o álcool de romero e uma pomada relaxante da Compeed que herdamos da nossa amiga peregrina de Belém, que a esta altura já estava em Genebra.
O albergue lotou e muitos tiverm que buscar alternativas nos albergues da cidade ou seguir mais adiante, de taxi.
Descansamos desde cedo porque amanha caminharemos um longo trecho de 33 km até Olveiroa.
O albergue fica na saída da cidade
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