A Mundialização dos Direitos Humanos

Já que a mundialização econômica gerou um direito econômico mundializado - e judicializado - é preciso fazer o mesmo com os direitos humanos. Nem só de Lex Mercatoria vive o mundo.

O direito do comércio se judicializa com a criação do órgão de apelação junto à OMC, ao passo que ainda não existe uma corte mundial de direitos humanos.

É o que afirma a jurista francesa Mireille Delmas-Marty, titular da cátedra de Estudos Jurídicos Comparativos e Internacionalização do Direito do Collège de France, que faz no dia 8 de outubro, às 11, no IEA, a conferência "A Mundialização do Direito: Rumo a uma Comunidade de Valores?"

Transcrevo em seguida a íntegra de matéria publicada no Boletim Contato, do IEA/USP, divulgando o evento.


"A mundialização do direito se limita a construir uma comunidade econômica ou prenuncia uma verdadeira comunidade mundial de valores?" Quem indaga é a jurista francesa Mireille Delmas-Marty, titular da cátedra de Estudos Jurídicos Comparativos e Internacionalização do Direito do Collège de France, que faz no dia 8 de outubro, às 11, no IEA, a conferência "A Mundialização do Direito: Rumo a uma Comunidade de Valores?" (o evento será em francês, com tradução consecutiva).


Mireille Delmas-Marty

A conferência é uma realização da Cátedra Claude Lévi-Strauss (convênio entre o IEA e o Collège de France) e terá como debatedores Eduardo Bittar, do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP (Fadusp), e Cláudia Perrone-Moisés, do Departamento de Direito Internacional da mesma faculdade. O coordenador será Sergio Adorno, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e coordenador da Cátedra Unesco de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância e do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

O evento acontecerá no Auditório Alberto Carvalho da Silva, sede do IEA, Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa J, 374, térreo, Cidade Universitária, São Paulo, SP (mapa), com transmissão ao vivo pela web em www.iea.usp.br/aovivo. Outras informações podem ser obtidas com Sandra Codo (sancodo@usp.br), telefone (11) 3091-3923.

VALORES

Segundo a jurista, "a mundialização não remete apenas ao direito nascido da globalização econômica, mas também à universalização dos direitos do homem, fundada na declaração 'universal' de 1948".
No entanto, ela considera que, depois da queda do Muro de Berlim em 1989 e da criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1994, teve início uma espécie de corrida entre esses dois processos: "O direito do comércio se judicializa com a criação do órgão de apelação junto à OMC, ao passo que ainda não existe uma corte mundial de direitos humanos".

Delmas-Marty centrará sua exposição na questão dos valores, reativada com a convenção da Unesco de 2005, "que consagra a diversidade cultural, mas não diz como conciliá-la com o universalismo da Declaração dos Direitos do Homem".

De acordo com a conferencista, "para conciliá-las a fim de construir um universalismo pluralista que permita instaurar uma verdadeira 'comunidade mundial de valores'", é preciso tentar responder a duas questões: qual comunidade? quais valores?". A conferência terá como fio condutor a exploração de respostas a essas questões.

Delmas-Marty destaca que essa comunidade mundial seria pela primeira vez uma comunidade sem exterior e não mais apenas internacional, mas inter-humana. Quanto aos valores, a jurista primeiro discutirá seu fundamento, depois tratará de seu conteúdo, apreendido entre o universalismo e o relativismo.

CURSO E COLÓQUIO

O curso que Delmas-Marty dará de 8 a 11 de outubro na Fadusp chama-se "Direito Penal do Inumano" e terá a seguinte programação:

Dia 8 — Introdução: o Paradoxo Penal (Proibir/Justificar: Três Paradigmas);
Dia 9 — O Paradigma do Crime de Guerra: Limitar o Inumano;
Dia 10 — O Paradigma da Guerra contra o Crime: Justificar o Inumano;
Dia 11 — O Paradigma dos Crimes contra a Humanidade: Construir a Humanidade como Valor.

O curso terá como debatedores Antonio Magalhães Gomes Filho (Fadusp), Sergio Adorno (FFLCH/USP), Sergio Salomão Shecaira (Fadusp), Cláudia Perrone-Moisés (Fadusp), Kathia Martin-Chenut (Collège de France) e João Paulo Charleaux (Comitê Internacional da Cruz Vermelha).

Nos dias 15 e 16 de outubro, Delmas-Marty participa do Colóquio Rede Franco—Brasileira de Internacionalização do Direito — As Violações Graves dos Direitos do Homem e a Luta contra a Impunidade.

Comentários

Anônimo disse…
Bom dia, meu amigo

o tema é precioso.

Mas, fiquei aqui matutando com as minhas teclas - já que esse vestido não tem botões...rsrsrs... - como se universaliza a defesa do direito se o próprio "conceito" nem a Delaração da ONU, tão antiga, espraiou pela nossa difusa civilização. E que a Convenção OIT 169 também não solidificou, em que pese que direitos "difusos" neste Brasil estão avançando graças a ela.

Sérgio Adorno é um combatente. E vale o seu esforço. E você também é. Mas a esperança de que uma corte deste porte consiga avançar para a construção de um conceito universal do que são valores, eu não tenho não.

Afinal, nós, os "civilizados", descontruímos, inclusive a favor da mundialização do comércio, todo e qualquer valor que não leve ao lucro.

As duas questões postas - qual comunidade? que valores? - já sugere o quão é difícil definir um padrão ou parâmetro do que são valores humanos.

E não precisamos ir a Ruanda para entender isso. Aqui mesmo, neste nosso estado pequeno frente ao tamanho do mundo, sabemos que diversidade e a interculturalidade, e seus valores intrínsecos, não sobrevivem ou não se sobrepõem à rasteira visão de que o que não é "coisa de branco", no máximo é folclórico ou turístico.

Um abração pra você. Um abraço que soa meio amargo, reconheço, mas reitero a importância de você nos avisar que há esforços sendo feitos na contramão da desesperança.
Anônimo disse…
Olá Alencar,

Gostaria de mostrar um site de artigos jurídicos que fiz há pouco tempo. Chama-se Cognição e seu endereço é www.cognicao.com

Tem uma sistemática bem original, pois são os usuários quem enviam os artigos e escolhem, por votação, quais serão publicados na página inicial do site.

Cadastre-se e experimente colocar seus textos.

Abraço.
JOSE MARIA disse…
Amiga Bia,

1 Não desanime. Nem tudo está perdido.
2 O capitalismo está sendo obrigado a reintroduzir a ética, da qual se livrara com Adam Smith, substituindo-a pelo egoísmo individual, a partir dele tido e havido como motor do sucesso desse modo de produção.
3 Deu certo por algum tempo, mas começou a dar errado nos últimos tempos.
4 Por outro tipo de egoísmo, talvez agora mais sofisticado, menos rude, a ética volta pouco a pouco a preocupar os ideólogos e empreendedores capitalistas. É que a falta dela põe em risco o próprio modo de produção ou pelo menos algumas empresas. A Enron, por exemplo, afogou-se no mar da falta de ética e levou junto com ela umas outras tantas, inclusive gente até então tida como boa na área de auditoria. Uma bem sucedida empresa que fabricava perucas com cabelos humanos se ferrou quando descobriu-se que os cabelos que ela usava era de prisioneiros chineses. A Nike quase leva farelo por fazer uso de trabalho degradante na Ásia. Em casa um desses casos o que houve foi uma combinação de falta de ética com desrespeito aos direitos humanos.
5 Mesmo no âmbito da OMC já começa a ter curso uma crítica consistente ao dumping social e ao dumping ambiental. Claro que tem muito oportunismo nisso. Afinal, o homem sobreviveu e povoou o mundo mais por ser oportunista - no sentido de saber tirar proveito das oportunidades que esse mesmo mundo lhe oferece - e menos por ter sido feito à imagem e semelhança Dele. Outras espécies não souberam fazer isso e simplesmente desapareceram.
6 Não me espantarei se mais dia menos dia a OMC criar um órgão judiciário para cuidar especificamente de responsabilidade social (social accountability). As normas internacionais de responsabilidade social (SA 8000 e, logo logo, a ISO 26000) poderão se tornar, em breve, mais fortes e com mais poder de coerção do que normas de direito internacional. Será a Lex Mercatoria 3.0, do Terceiro Milênio. Pragmáticos e com grande capacidade de adaptação, os capitalistas avançados sabem que não podem manter até o final dos tempos suas atuais práticas. Ou então esse final será antecipado.
7 Mas, de minha parte, preferiria separar bem as coisas e ter um tribunal internacional mais forte que a OMC e que ficasse acima dela, para que suas decisões fossem eficazes e efetivas.
8 Assim, e por exemplo, uma condenação por um tribunal internacional de direitos humanos poderia obrigar a OMC impôr sanções comerciais aos países ou empresas que desrespeitassem os direitos humanos.
9 É uma utopia realizável. Acredite.
Unknown disse…
Caro Alencar
Antes de tudo, grato por incluir o meu blog nos seus links. Por falar nele, embora tenha sido um aplicado alundo do Dr. Orlando Bitar, jamais me consideraria um cultor do Direito Constitucional, entretanto, ousei comentar sobre a Reforma Constitucional Venezuelana. Como fui obrigado a ler a antiga Constituição, a atual e estudar o projeto de Reforma, além de acompanhar a vida naquele país por meio das televisões citadas no blog, cheguei a concluir que a questão dos "Direitos Humanos", como está sempre apresentado, merece um novo Beccaria. A maior questão de direito para toda a humanidade, é o direito à vida, à dignidade, à boa educação pública, à saúde e assistência na doença e na velhice. Em sistemas econômicos como o nosso, por mais que haja a individualização mais minudente, jamais se obterá que eles existam.
Foi o que me reafirmou o estudo da Reforma Constitucional Venezuelana.
Palavra que quse me senti conversando com o Ruy, o Chico, o Napoleão ou o Raimundo Moura la á no Central Café.
Grato
Anônimo disse…
Prezado Alencar,

Entendi mal, ou você propõe também a criação de um - ou melhor, a substituição da ONU por um - organismo mais plural? Afinal, já existe um tribunal internacional de direitos humanos, o de Haia, vinculado à Oraganização das Nações; o que lhe falta, talvez, é maior efetividade e participação de outros atores globais, como hoje acontece com a OMC.
Ademais, como pergunta a professora Marty, quais seriam estes valores universais, se a Declaração de 1948 ainda sequer é reconhecida de modo verdadeiramente global? Valeria somente para o mundo ocidental? E neste caso, será isto o que verdadeiramente pretendemos?
Teríamos a necessidade de positivar estes direitos, a partir da Declaração dos Direitos do Homem?
A intenção de um tribunal universal de direitos humanos é talvez um "horizonte de sentido", como o chamaria José Eduardo Faria. Mas o professor da USP já fazia, em 1996, em um artigo publicado no livro "Direito e Globalização Econômica" (Malheiros, 1996), uma advertência implícita: a de que a construção desta utopia deveria se fazer em blocos. Creio que a Europa, apesar de todas as dificuldades, está neste caminho; e nós, da pobre América Latina, conseguiremos chegar lá? E o Oriente Médio nesta história? A China, os EUA? Topam entrar nessa?
Acho que fui contaminado pela 'mezzo' amargura da Bia... Será mesmo realizável esta utopia?
JOSE MARIA disse…
Meu caro Francisco.

1 Na ONU todos são iguais, em tese, e por isso as suas decisões são cumpridas voluntariamente pelos países réus. Quem não quiser cumprir, não cumpre e aí só a guerra resolve, justamente o que se quis evitar com a criação da ONU sobre as cinzas da Liga das Nações (que o digam Iraque e Irã). Em suma, é o problema da execução das decisões das cortes internacionais, como o Tribunal de Haia, que terminam produzindo sanções morais (nem sempre executáveis e efetivas). Por isso a professora Delmas-Marty diz que não existe uma corte internacional de direitos humanos.

2 Na OMC a coisa é diferente, porque os réus são condenados e ficam fora do jogo econômico, que é o que realmente vale e importa, quando está em causa o vil metal (a frase "É a economia, idiota!" ecoa em meus ouvidos até hoje). Por isso uma decisão de um tribunal que vinculasse a própria OMC teria muito mais efetividade que uma outra do Tribunal de Haia. Até admito que de Haia pode vir muito bem embrulhada para presente, em ótimo juridiquês, bem encadernada e carregada de erudição e retórica jurídica. Admito também que em outro tribunal mais, digamos, econômico, assim não seja, mas será mais efetiva com certeza, porque vai doer nos bolsos dos réus.

3 Para testar a hipótese vamos ver o que vai acontecer agora com o etanol, que o Parlamento Europeu pretende condicionar sua produção e importação ao cumprimento das regras de responsabilidade social e ambiental (social accountability). A idéia é exigir até uma certificação, conforme as normas da Comissão Européia. Assim, mais dia menos dia o Brasil vai ter que cumprir diretivas da União Européia se quiser vender etanol para ela.

4 Minha aposta é que o tripé ética - responsabilidade social - responsabilidade ambiental vai ter que ser adotado por todos os países e por todas as empresas, não por altruísmo, generosidade, filantropia ou boniteza, mas por precisão, como o sapo de Guimarães Rosa. Minha crença - é mais artigo de fé do que outra coisa - é que os recalcitrantes (Isteites e Brasil inclusive) terão que aderir a esse tripé ou estarão fora do jogo e entrarão em declínio. Aliás, em se tratando de matéria ambiental não será a primeira vez em que isso acontecerá, pois o dilúvio foi, acima de tudo, uma catástrofe ambiental, ainda que admitida sua origem divina.
Anônimo disse…
Querido amigo,

você detectou como desânimo um sentimento que nem eu, às vezes, identifico bem.

Conforme lhe disse ontem, prefiro chamá-lo de ressaca cívica, na expectativa de que, como toda ressaca, ele passe...rsrsrs..

Acredito no que você divulga e propõe. Talvez a dor venha da falta de humildade para aceitar que os caminhos que trilhamos, embora não os renegue nunca, tenham dado em atalhos difíceis demais,letntos demais, para a urgência que este país requer.

A ressaca, misturada à dor, são mesmo fruto da arrogância de querer ser participante também dos bons frutos das sementes que plantamos, mas que nem sempre frutificaram.

Acho que o que acalma a dor é ler, ouvir e conviver com pessoas como você, que não desistem nunca. E que sabem, melhor do que eu, que o processo não tem fim.

Um abraço grande. Fraterno
JOSE MARIA disse…
Amiga Bia.

1 Ressaca ou desânimo, vai passar. Em latim "anima" tem o sentido de alma, princípio vital, sopro vital, vida. Já "animus" tem o sentido de princípio pensante, vontade, desejo, ânimo. Vai daí que desânimo seria a negação de tudo isso. É muito bom - para você e para todos nós, amigos e beneficiários (diretos ou indiretos) de sua vida dedicada à Humanidade - que você não se sinta desanimada, que não lhe corresponda o sentimento que havia identificado como desânimo.

2 Felizmente, para você e para todos nós, para cada coisa ruim que é posta no mundo, tem sempre uma coisa boa sendo também posta, para manter o equilíbrio.

3 Leia os dois posts de hoje. São animadores, pois trazem exemplos de coisas boas que podemos fazer, sem precisar sequer sair dos nichos onde nos encontramos, sejamos economistas, juristas ou biblioteconomistas. Com a vulgaridade da TV: que cada um faça - bem feita - a sua parte. A sociedade - e a Humanidade - agradece.
Anônimo disse…
Alencar, eu acrescentaria ao item 3 do seu último comentário: e sem que necessariamente originem de quem tenha identidade ideológica e partidária (principalmente) com que louva a iniciativa.
Realmente muito bons os dois posts de hoje. Por isso reafirmo minha cobrança - desculpe-me a insistência: não deixe o blog tanto tempo sem atualização!
Abraços e bom final de semana.
Anônimo disse…
"Com QUEM louva", melhor dizendo...
Abs.
JOSE MARIA disse…
Meu caro Francisco.

1 Obrigado por sua leitura e pelo comentário.

2 Temos mesmo que louvar o que bem merece, como já diziam Gilberto Gil e Torquato Neto nos anos setenta. Assim se deixa o o que é ruim de lado. Não no sentido de esconder ou ignorar o que é ruim, mas no sentido de não fazer a louvação do que é ruim.

3 Vou me esforçar para fazer uma atualização diária do Blog. Depois dos acórdãos e votos, claro.

Abraços agradecidos.

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