Quase Meio-dia

QUASE MEIO-DIA

Octavio Pessoa Ferreira*

Gafes de locutores são tantas que até já renderam livros. Algumas são folclóricas, como a daquele locutor que fazia um programa, numa rádio AM do interior, mandando abraços e mais abraços para seus ouvintes. De repente, com aquela voz animada de disc jokey, ele lê uma fiada de nomes, informando que aquela galera toda tinha o prazer... Aí ele muda para um tom grave e solene e prossegue “de comunicar a morte de seu ente-querido, [fulano de tal]...”. Segue-se um silêncio tipo o de gol contra, para uma torcida de futebol. Só então, o operador de áudio dá o gongo que deveria ter dado, antes de entrar a nota fúnebre. Consta que o locutor foi mandado para o Mobral, para aprender que pesar é escrito com “S” e prazer, com “Z”. E o operador de áudio só foi poupado, depois de pedir perdão à família enlutada.

Esses fatos engraçados sempre aconteceram e acontecem, até hoje. Eles também ocorriam nos serviços de alto-falantes, as rádios populares de antigamente, tão comuns nos bairros periféricos das capitais e nas cidades do interior. No interior, não chegam a ser gafes, mas a espontaneidade do homem simples e seu sotaque que soa hilário a quem não é do lugar. Como aquele que anuncia, com a maior tranqüilidade “Alu, alu Parrrmiro! Alu, alu, Parrrmiro! Tua nuiva te espera atrás da Igreja. Só te digo vai, coirão!” Ou aquele que informa à ouvinte que oferecera ao namorado, marinheiro, “a bela página musicarr ‘Quarr cisne branco’. Na ausência de terrrrrmos, rrrrodaremos o Hino Nacioná”.

Aliás, essas rádios populares tinham e tem ainda, um papel social importantíssimo. É através delas que os populares tem conhecimento de quem nasceu, quem morreu, quando o barco vai chegar, enfim, os fatos de interesse da comunidade.

Na minha cidade, Parintins, havia diversos desses serviços de alto falantes. Alguns deles com estrutura de fazer inveja a algumas rádios AM que conheci, quando cheguei aqui em Belém. O detalhe é que, naquela época, havia hora certa para eles entrarem e sairem do ar. O horário depois do almoço era rigorosamente respeitado. Hoje, sinto saudade daqueles tempos, ante a “zorra” estabelecida, em que, cada um que possui uma caixa amplificada, resolve impor seu gosto musical, quase sempre discutível, e saca impropério ao microfone, incomodando vizinhos e redondezas.

Havia, em Parintins, a “Voz Rio Mar”. Certamente inspirado na Rádio Rio Mar, de Manaus-AM, que juntamente com a Rádio Difusora, eram o vínculo de comunicação da capital com o interior do Estado e entre radioouvintes de diferentes lugares, através de programas de recados e oferecimento de músicas. A “Voz Rio Mar” entrava no ar, ao som de “Saxofone, por que choras?” e cobria principalmente o bairro do Esconde. Seu som chegava até minha casa, na travessa Gomes de Castro, no centro da cidade. Era uma comunicação agradável e tinha uma programação completa. Havia também a “Voz do Bairro da Francesa”, a “Voz do Bairro de São Benedito” e outras menos votadas.

O rádio à chegou a Parintins, por inspiração e empenho do primeiro bispo da cidade, Dom Arcângelo Cerqua. Através da Radio Alvorada AM, que hoje integra o Sistema Alvorada de Comunicação, junto com uma Rádio FM, dois canais de TV e um Portal. Muitos locutores dos serviços de alto falante desejavam trabalhar na Rádio Alvorada, que era, então, “o coqueluche” da cidade. Houve um deles que fez de tudo e finalmente, conseguiu a oportunidade para ser experimentado. No “dia que seria o dia do dia mais feliz de sua vida”, quando acendeu a luz vermelha “NO AR”, ele impostou mais ainda sua voz e mandou ver:

- ZYA-56, Rrrrrádio Alvorada de Parintins – uma emissora do Brasil Grande que luta por um Grande Brasil. Na “sala de visitas do Estado do Amazonas”, pontualmente: QUASE MEIO DIA.

Não houve outro dia para ele.

*Jornalista, advogado e auditor federal de controle externo.


Comentários

Anônimo disse…
Hoje de manhã 9entre 8 e 8:30 h)em um programa da radio UNAMA um locutor falou o seguinte: o corpo do mestre Vereguete foi liberado e desde ontem encontra-se ABERTO para a visitação no.....

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