Endocolonialismo Energético
Confesso não ter muita simpatia pela tese do endocolonialismo, basicamente porque - talvez seja um cacoete esquerdista - ela dissolve a contradição entre as classes sociais, que ignora as divisões regionais.
Mas lendo a enxurrada de decretos publicados no Diário Oficial da União de ontem outorgando a concessão para exploração do serviço público de transmissão de energia elétrica que vai ser gerada pelas usinas hidrelétricas de Rondônia sou obrigado a concordar que mesmo não acreditando em bruxas, as bruxas existem. Mesmo que não acredite em endocolonialismo, ele existe e essas outorgas provam isso.
É que simplesmente dos sete decretos de outorga apenas um destina-se à transmitissão de energia para o próprio Estado de Rondônia, ainda assim, ao que me pareceu, apenas para fazer um enlace, pois todos os demais decretos referem-se à transmissão de energia elétrica para São Paulo e um - unzinho só - para Mato Grosso e Goiás.
Esse filme também vai passar logo mais aqui no Pará, quando for construído o aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte, na Volta Grande do Xingu.
Pensar em energia para desenvolver Rondônia e Acre, nem pensar. Para desenvolver o Pará, idem.
E ainda temos que ficar alegres com os empregos temporários que serão gerados. Podemos fazer muchochos para os problemas sociais e ambientais que serão também gerados, mas isso é o máximo possível.
Sinceramente, a Federação - e a República - já produziram melhores escolhas públicas, cem anos atrás, quando ambas tinham apenas vinte aninhos. Dez anos depois a República já era Velha. E agora, cento e vinte anos depois, é o que? Vai ver que cem anos atrás a República era mais res publica e a Federação era mais... federação (afinal, então era preciso mesmo afirmar o federação de estados republicanos contra o estado unitário imperial que havia sido derrotado em 1889). Cento e vinte anos depois os estados amazônicos estão quase se tornando províncias com direito de eleger governadores, deputados, senadores, prefeitos e vereadores.
Essa escolha pública - produzir megablocos de energia na Amazônia, mandar para o Sul desenvolvido e manter a Amazônia subdesenvolvida - não é, com todo respeito, uma boa escolha. E não dá para dizer que essa é uma responsabilidade deste ou daquele governo e muito menos só do governo. Essa é uma responsabilidade de todos, da sociedade civil e da sociedade política. E das sucessivas gerações que produziram e continuam produzindo tais escolhas. E gerando endocolonialismo energético e desigualdade regional.
Como a Constituição atribui à República o objetivo fundamental de reduzir as desigualdades regionais, escolhas públicas como essas, que geram e aprofundam desigualdades regionais, são inconstitucionais. E como as políticas públicas estão sujeitas ao controle judicial, essa questão bem que poderia ser levada à Justiça, sob esse enfoque (e não apenas para debater a questão ambiental, como até agora tem ocorrido).
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