Gastança

O economista Mário Ribeiro, no seu artigo semanal de hoje, publicado em O Liberal, alerta para os riscos de uma gastança supostamente keynesiana, da qual resultaria efeito oposto ao pretendido.
É sempre bom ler os bem escritos artigos de Mário Ribeiro, que deixa de lado o economês para explicar as coisas bem explicadinho. É bom ler e prestar atenção neste e noutros artigos do Mário.
Uma da pregações de Mário Ribeiro que já está passando da hora de ser considerada pelos Governos da Amazônia - e também pelas Universidades - é sua proposta de medir o PIB verde. Enquanto isso não for feito a predação estéril vai continuar, com o beneplácito quase geral (as vozes dissonantes são ignoradas ou caladas pela algaravia do pensamento único ou consensos de ocasião).
Segue o artigo de hoje do Mário Ribeiro.


2009: LICENÇA PARA GASTAR



Estamos caminhando em cima de um fio elétrico descascado. Muitos são os que citam Keynes (o famoso economista britânico que teria defendido aumentos inescrupulosos do gasto público como mecanismo de sair da recessão de 1929) para justificar uma aplicação da mesma receita no enfrentamento da atual crise financeira no mundo. A tentativa é óbvia: é preciso dar um “ar científico” ao excesso de dispêndio público que deve surgir em 2009. Nada melhor do que virar keynesiano de última hora e projetar “seletivamente” algumas das idéias daquele que, junto com Milton Friedman, foi um dos economistas mais importantes do século XX.


Citar Keynes não concede, ato contínuo, licença para gastar. Há gasto e há gasto! No caso brasileiro a defesa de gastos vultosos vem em pacotes embrulhados com ideologia estatizante e com fitas de grandes bravatas ufanistas (alguém lembra dos anos 70, embalado pela seleção brasileira e os seus “90 milhões em ação, pra frente Brasil do meu coração”, etecetera e tal, e que deu no que deu?).


Costuma-se argumentar – no plano mais racional - que “o mundo inteiro está aumentando o gasto público e reduzindo as taxas de juros, logo, o Brasil tem mais é que seguir o curso da manada e não ficar inventando coisa”. Certo? Não, errado, oportunista, conveniente e conivente!


Para início de conversa, o mundo inteiro não pode, em uma economia globalizada – que não era a que Lord Keynes vivia e, conseqüentemente a que ele tinha na cabeça quando defendeu o uso ativista da política fiscal – produzir, simultaneamente, políticas monetárias e fiscais expansivas, pois “o mundo todo” não pode ter depreciações cambiais. No “mundo”, se um país tem déficit nas contas de transações correntes, algum país (ou conjunto de países) deve ter um superávit, de modo que as “contas fechem”.Óbvio, não? Alguém deve financiar o déficit provocado pela expansão da demanda agregada. O economista prêmio Nobel, Paul Samuelson, recorrendo a Aristóteles em suas “Refutações Sofísticas”, chamou isto de “falácia da composição”: o que é verdade para uma parte não, necessariamente é verdade para o todo! È, pois, um equívoco tomar o todo pela parte: as políticas fiscais e monetárias que levem ao aumento do dispêndio agregado só terão sucesso “nas partes”, ou o que é a mesma coisa somente funcionarão se os países que a adotarem tiverem com o financiar os seus respectivos déficits.


No atual momento, apenas os EUA, a União Européia e a China, parecem ter condições de financiarem seus eventuais déficits em transações correntes. Os EUA têm conseguido captar com facilidade recursos no mercado financeiro internacional, além de terem excesso de poupança doméstica líquida; os países da União Européia e a China têm um excesso de poupança doméstica líquida. Estes três vão ainda comer o pão que o diabo amassou, mas poderão – tecnicamente - fazer o uso de políticas ativistas.


As nuvens começam a escurecer quando se imagina que o mesmo remédio – e nas mesmas dosagens – pode ser aplicado no Brasil, pelo argumento (equivocado) de autoridade (Argumentum ad Verecundiam), buscado na economia keynesiana do século XX.


Se as autoridades públicas no Brasil insistirem em expandir simultaneamente e com grande velocidade os gastos públicos e o crédito, em um ambiente de crise de confiança e mercados financeiros internacionais congelados e com alta aversão ao risco – como é o caso atual - teremos:

  1. Uma depreciação da taxa real de câmbio que colocará o país em difícil situação para financiar o seu déficit em transações correntes, pois a nossa poupança doméstica líquida é pequena;

  2. Uma diminuição da taxa de investimentos internacionais diretos (abertura ou expansão de empresas estrangeiras) e na de carteira (compra de debêntures, dívidas corporativas e papéis do Tesouro), pois se as finanças públicas se deteriorarem, ainda que sob o nobre argumento de afastar a crise do Brasil, a emenda será pior que o soneto, pois o grande ativo conquistado pelo Brasil nos Governos Itamar, FHC e Lula foi a austeridade fiscal. Um leve arranhão neste patrimônio e podemos ter de assistir a uma fuga de capital dolorosa.


E não é marola não...


Mário Ramos Ribeiro, Doutor em Economia pela USP, docente da UNAMA e da UFPA, é Consultor em Economia e Finanças Empresariais. E-mail: mramosribeiro@uol.com.br


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