Cotas (3)

MANIFESTO EM FAVOR DA LEI DE COTAS E DO ESTATUTO DA IGUALDADE
RACIAL

AOS DEPUTADOS E SENADORES DO CONGRESSO BRASILEIRO

A desigualdade racial vigente hoje no Brasil tem fortes raízes históricas e esta realidade não
será alterada significativamente sem a aplicação de políticas públicas dirigidas a este
objetivo. A Constituição de 1889 facilitou a reprodução do racismo ao decretar uma
igualdade puramente formal entre todos os cidadãos. A população negra acabava de ser
colocada em uma situação de completa exclusão em termos de acesso à terra, à renda, ao
conjunto de direitos sociais definidos como “direitos de todos”, e à instrução para competir
com os brancos diante de uma nova realidade de mercado de trabalho que se instalava no
país. Enquanto se dizia que todos eram iguais na letra da lei, várias políticas de incentivo e
apoio diferenciado, que hoje podem ser lidas como ações afirmativas, foram aplicadas para
estimular a imigração de europeus para o Brasil.
Esse mesmo racismo estatal foi reproduzido e intensificado na sociedade brasileira ao longo
de todo o século vinte. Uma série de dados oficiais sistematizados pelo IPEA no ano 2001
resume o padrão brasileiro de desigualdade racial: por 4 gerações ininterruptas, pretos e
pardos têm contado com menos escolaridade, menos salário, menos acesso à saúde, menor
índice de emprego, piores condições de moradia, quando contrastados com os brancos e
asiáticos. Estudos desenvolvidos nos últimos anos por outros organismos estatais, como o
MEC, o INEP e a CAPES, demonstram claramente que a ascensão social e econômica no
nosso país passa necessariamente pelo acesso ao ensino superior.
Foi a constatação da extrema exclusão dos jovens negros e indígenas das universidades
públicas que impulsionou a atual luta nacional pelas cotas, cujo marco foi a Marcha Zumbi
dos Palmares pela Vida, em 20 de novembro de 1995, encampada por uma ampla frente de
solidariedade entre acadêmicos negros e brancos, coletivos de estudantes negros, cursinhos
pré-vestibulares para afrodescendentes e pobres e movimentos negros da sociedade civil,
estudantes e líderes indígenas, além de outros setores solidários, como jornalistas, líderes
religiosos e figuras políticas – boa parte dos quais subscreve o presente documento. A
justiça e o imperativo moral dessa causa encontraram ressonância nos últimos governos, o
que resultou em políticas públicas concretas, tais como: a criação do Grupo de Trabalho
Interministerial para a Valorização da População Negra, de 1995, ainda no governo FHC;
as primeiras ações afirmativas no âmbito dos Ministérios, em 2001; a criação da Secretaria
Especial para Promoção de Políticas da Igualdade Racial (SEPPIR), em 2003, no governo
Lula; e, finalmente, a proposta dos atuais Projetos de Lei que estabelecem cotas para
estudantes negros oriundos da escola pública em todas as universidades federais brasileiras,
e o Estatuto da Igualdade Racial.
O PL 73/99 (ou Lei de Cotas) deve ser compreendido como uma resposta coerente e
responsável do Estado brasileiro aos vários instrumentos jurídicos internacionais a que
aderiu, tais como a Convenção da ONU para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial (CERD), de 1969, e, mais recentemente, ao Plano de Ação de
Durban, resultante da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação
Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em Durban, na África do Sul, em 2001.
O Plano de Ação de Durban corrobora a ênfase, já colocada pela CERD, de adoção de
ações afirmativas como um mecanismo importante na construção da igualdade racial.
Lembremos aqui que as ações afirmativas para minorias étnicas e raciais já são realidade
em inúmeros países multi-étnicos e multi-raciais como o Brasil. Foram incluídas na
Constituição da Índia, em 1949; adotadas pelo Estado da Malásia desde 1968;
implementadas nos Estados Unidos desde 1972; na África do Sul, após a queda do regime
de apartheid, em 1994; e desde então no Canadá, na Austrália, na Nova Zelândia, na
Colômbia e no México. Existe uma forte expectativa internacional de que o Estado
brasileiro finalmente implemente políticas consistentes de ações afirmativas, inclusive
porque o país conta com a segunda maior população negra do planeta e deve reparar as
assimetrias promovidas pela intervenção do Estado da Primeira República com leis que
outorgaram benefícios especiais aos europeus recém chegados, negando explicitamente os
mesmos benefícios à população afro-brasileira.
Vale ressaltar também que, somente nos últimos 4 anos, mais de 35 universidades e
Instituições de Ensino Superior públicas, entre federais e estaduais, já implementaram cotas
para estudantes negros, indígenas e alunos da rede pública nos seus vestibulares e a maioria
adotou essa medida após debates no interior dos espaços acadêmicos de cada universidade.
Outras 15 instituições públicas estão prestes a adotar políticas semelhantes para promover
maior inclusão. Todos os estudos de que dispomos já nos permitem afirmar com segurança
que o rendimento acadêmico dos cotistas é, em geral, igual ou superior ao rendimento dos
alunos que entraram pelo sistema universal. Esse dado é importante porque desmonta um
preconceito muito difundido de que as cotas conduziriam a um rebaixamento da qualidade
acadêmica das universidades. Isso simplesmente não se confirmou! Uma vez tida a
oportunidade de acesso diferenciado (e insistimos que se trata de cotas de entrada, apenas, e
não de saída), os estudantes negros se esforçam e conseguem o mesmo rendimento que os
estudantes brancos.
Outro argumento muito comum usado por aqueles que são contra as políticas de inclusão de
estudantes negros através de cotas é que haveria um acirramento dos conflitos raciais nas
universidades. Muito distante desse panorama alarmista, os casos de racismo que têm
surgido após a implementação das cotas têm sido enfrentados e resolvidos no interior das
comunidades acadêmicas, em geral com transparência e eficácia maiores do que havia antes
das cotas. Nesse sentido, a prática das cotas tem contribuído para combater o clima de
impunidade diante da discriminação racial no meio universitário. Mais ainda, as múltiplas
experiências de cotas em andamento nos últimos 4 anos contribuíram para a formação de
uma rede de especialistas e de uma base de dados acumulada que facilitará a
implementação, a nível nacional, da Lei de Cotas.
Colocando o sistema acadêmico brasileiro em uma perspectiva internacional, concluímos
que nosso quadro de exclusão racial no ensino superior é um dos mais extremos do mundo.
Para se ter uma idéia da desigualdade racial brasileira, lembremos que, mesmo nos dias do
apartheid, os negros da África do Sul contavam com uma escolaridade média maior que a
dos brancos no Brasil no ano 2000; a porcentagem de professores negros nas universidades
sul-africanas, ainda na época do apartheid, era muito maior que a porcentagem dos
professores negros nas nossas universidades públicas nos dias de hoje. A porcentagem
média de docentes nas universidades públicas brasileiras não chega a 1%, em um país onde
os negros conformam 45,6 % do total da população. Se os Deputados e Senadores, no seu
papel de traduzir as demandas da sociedade brasileira em políticas de Estado não intervirem
aprovando o PL 73/99 e o Estatuto, os mecanismos de exclusão racial embutidos no
suposto universalismo do estado republicano provavelmente nos levarão a atravessar todo o
século XXI como um dos sistemas universitários mais segregados étnica e racialmente do
planeta! E, pior ainda, estaremos condenando mais uma geração inteira de secundaristas
negros a ficar fora das universidades, pois, segundo estudos do IPEA, serão necessários 30
anos para que a população negra alcance a escolaridade média dos brancos de hoje, caso
nenhuma política específica de promoção da igualdade racial na educação seja adotada.
Não devemos esquecer que as universidades públicas são as mais qualificadas
academicamente e com as melhores condições para a pesquisa; contudo, oferecem apenas
20% do total de vagas abertas anualmente no ensino superior brasileiro. 90% dessas vagas
têm sido utilizadas apenas para a formação de uma elite branca. Para que nossas
universidades públicas cumpram verdadeiramente sua função republicana e social em uma
sociedade multi-étnica e multi-racial, deverão algum dia refletir as porcentagens de
brancos, negros e indígenas do país em todos os graus da hierarquia acadêmica: na
graduação, no mestrado, no doutorado, na carreira de docente e na carreira de pesquisador.
Nesse longo caminho em direção à igualdade étnica e racial plena, o PL 73/99, que reserva
vagas na graduação, é uma medida ainda tímida: garantirá uma média nacional mínima de
22,5% de vagas nas universidades públicas para um grupo humano que representa 45,6%
da população nacional. É preciso, porém, ter clareza do que significam esses 22,5% de
cotas no contexto total do ensino de graduação no Brasil. Tomando como base os dados
oficiais do INEP, o número de ingressos nas universidades federais em 2004 foi de 123.000
estudantes, enquanto o total de ingressos em todas as universidades (federais, estaduais,
municipais e privadas) foi de 1.304.000 estudantes. Se já tivessem existido cotas em todas
as universidades federais para esse ano, os estudantes negros contariam com uma reserva de
27.675 vagas (22,5% de 123.000 vagas). Em suma, a Lei de Cotas incidiria em apenas 2%
do total de ingressos no ensino superior brasileiro. Devemos ter igualmente claro que essa
Lei visa garantir o ingresso de aproximadamente 27.675 estudantes negros em um universo
de 575.000 estudantes atualmente matriculados nas universidades federais. Portanto, estes
representarão um acréscimo anual de 4,8% de estudantes negros em um contingente
majoritariamente branco. Lembremos, finalmente, que o número total de matrículas na
graduação em 2004 foi de 4.165.000. A Lei de Cotas assegurará, portanto, que apenas 0,7%
do número total de estudantes cursando o terceiro grau no Brasil sejam negros. Devemos
concluir que a desigualdade racial continuará sendo a marca do nosso universo acadêmico
durante décadas, mesmo com a implementação do PL 73/99. Sem as cotas, porém, já
teremos que começar a calcular em séculos a perspectiva de combate ao nosso racismo
universitário. Temos esperança de que nossos congressistas aumentem esses índices tão
baixos de inclusão!
Se a Lei de Cotas visa nivelar o acesso às vagas de ingresso nas universidades públicas
entre brancos e negros, o Estatuto da Igualdade Racial complementa esse movimento por
justiça. Garante o acesso mínimo dos negros aos cargos públicos e assegura um mínimo de
igualdade racial no mercado de trabalho e no usufruto dos serviços públicos de saúde e
moradia, entre outros. Urge votar o Estatuto, pois se trata de recuperar uma medida de
igualdade que deveria ter sido incluída na Constituição de 1889, no momento inicial da
construção da República no Brasil. Foi sua ausência que aprofundou o fosso da
desigualdade racial e da impunidade do racismo contra a população negra ao longo de todo
o século XX. Por outro lado, o Estatuto transforma em ação concreta os valores de
igualdade plasmados na Constituição de 1988, claramente pró-ativa na sua afirmação de
que é necessário adotar mecanismos capazes de viabilizar a igualdade almejada. Enquanto
o Estatuto não for aprovado, continuaremos reproduzindo o ciclo de desigualdade racial
profunda que tem sido a marca de toda a nossa história republicana até os dias de hoje.
Finalmente, gostaríamos de fazer uma breve menção ao documento contrário à Lei de Cotas
e ao Estatuto da Igualdade Racial, enviado recentemente aos nobres parlamentares por um
grupo de acadêmicos pertencentes a várias instituições de elite do país. Ao mesmo tempo
em que rejeitam frontalmente as duas Leis em discussão, os assinantes do documento não
apresentam nenhuma proposta alternativa concreta de inclusão racial no Brasil, reiterando
apenas que somos todos iguais perante a lei e que é preciso melhorar os serviços públicos
até atenderem por igual a todos os segmentos da sociedade. Essa declaração de princípios
universalistas, feita por membros da elite de uma sociedade multi-étnica e multi-racial com
uma história recente de escravismo e genocídio sistemático, parece uma reedição, no século
XXI, do imobilismo subjacente à Constituição da República de 1889: zerou, num toque de
mágica, as desigualdades causadas pelos três séculos de escravidão e genocídio, e jogou
para um futuro incerto o dia em que negros e índios pudessem ter acesso eqüitativo à
educação, às riquezas, aos bens e aos serviços acumulados pelo Estado brasileiro.
Acreditamos que a igualdade universal dentro da República não é um princípio vazio e sim
uma meta a ser alcançada. As ações afirmativas, baseadas na discriminação positiva
daqueles lesados por processos históricos, são a figura jurídica criada pelas Nações Unidas
para alcançar essa meta.
Rejeitar simultaneamente a Lei de Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial significa aceitar a
continuidade do quadro atual de desigualdade racial e de genocídio e adiar sine die o
momento em que o Estado brasileiro consiga nivelar as oportunidades entre negros, brancos
e indígenas. Por outro lado, são os dados oficiais do governo que expressam, sem sombra
de dúvida, a necessidade urgente de ações afirmativas: ou adotamos cotas e implementemos
o Estatuto, ou seremos coniventes com a perpetuação do nosso racismo e do nosso
genocídio.
Instamos, portanto, os nossos ilustres congressistas a que aprovem, com a máxima
urgência, a Lei de Cotas (PL73/1999) e o Estatuto da Igualdade Racial (PL 3.198/2000).
Brasília, 29 de junho de 2006
Subscrevem este manifesto:
1. Alexandre do Nascimento – Membro da Coordenação do Movimento Pré-Vestibular para
Negros e Carentes (PVNC), Professor da FAETEC e Editor da Revista Global Brasil.
2. Ana Beatriz Souza Gomes – Professora de Educação da Universidade Federal do Piauí
(UFPI
3. Arivaldo Lima Alves – Professor de Antropologia da Universidade Estadual da Bahia
4. Álvaro Fernandes Sampaio - Tukano – Líder do Povo Tukano/ Assessor do Instituto
Brasileiro da Propriedade Intelectual (INBRAPI)
5. Carlos Alberto Reis de Paula – Ministro do Tribunal Superior do Trabalho/Professor de
Direito da Universidade de Brasília
6. CENEG - Coletivo Estadual de Estudantes Negros - RJ
7. CENUNBA – Coletivo do s Estudantes Negros das Universidades da Bahia - BA
8. Daniel Munduruku – Presidente do INBRAPI – São Paulo
9. Delcele Queiroz – Professora da Universidade Estadual da Bahia
10. Dora Lúcia Lima Bertúlio – Procuradora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) –
Propositora do Sistema de Cotas da UFPR
11. Eduardo Viveiros de Castro – Professor de Antropologia do Museu Nacional da
UFRJ/Pesquisador 1-A do CNPq
12. Emir Sader – Professor da UERJ/Presidente do Laboratório de Políticas Públicas (LPP)
da UERJ
13. Fabiana Oliveira - Membro da Coordenação do Movimento Pré-Vestibular para Negros
e Carentes, ex-aluna do PVNC e estudante de Comunicação.
14. Fernanda Kaingangue – Mestra em Direito/ Diretora-Executiva do INBRAPI
15. Fernando Pinheiro - Membro da Coordenação do Movimento Pré-Vestibular para
Negros e Carentes e Professor da Rede Pública.
16. Francisca Novantino Ângelo Pareci – Mestra em Educação/ Representante Indígena do
Conselho Nacional de Educação
17. Frei David Raimundo dos Santos – Diretor Executivo da EDUCAFRO rede de 255 pré-
vestibulares comunitários para afrodescendentes e carentes
18. Ilka Boaventura Leite – Professora de Antropologia da UFSC/Coordenadora do NUER
19. Iolanda de Oliveira – Professora de Educação da Universidade Federal Fluminense
(UFF)/Coordenadora do PENESB
20. Ivair Augusto dos Santos – Assessor da Secretaria Especial de Direitos Humanos do
Ministério da Justiça
21. Ivanir Alves dos Santos – Coordenador do Centro de Articulação de Populações
Marginais (CEAP), do Rio de Janeiro.
22. Jocelene Ignácio - Membro da Coordenação do Movimento Pré-Vestibular para Negros
e Carentes (PVNC), Assistente Social e Professora Universitária.
23. José Carlos dos Anjos – Professor de Sociologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) - Membro da Comissão Acadêmica Oficial para Formulação de
um Sistema de Cotas na UFRGS
24. José Jorge de Carvalho – Professor de Antropologia da Universidade de Brasília –
Pesquisador 1-A do CNPq – Propositor do Sistema de Cotas da UnB
25. José Luís Petrucelli – Pesquisador Titular do IBGE
26. Kabengele Munanga – Professor Titular de Antropologia da USP
27. Luís Ferreira Makl – Professor Substituto de Antropologia da Universidade de
Brasília/Pesquisador Associado do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UnB
28. Marcelo Tragtenberg – Professor de Física da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) – Membro da Comissão Acadêmica Oficial para Formulação de um Sistema de
Cotas na UFSC
29. Marcio Goldman – Professor de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ
30. Marco Antônio Domingues Teixeira – Professor de História da Universidade Federal de
Rondônia (UNIR)
31. Moisés Santana – Professor de Educação da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)–
Propositor do Sistema de Cotas da UFAL
32. Nelson Inocêncio – Professor de Artes Visuais da UnB/Coordenador do NEAB da UnB
33. Nilma Lino Gomes – Professora de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG)/Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN)
34. Olívia Maria Gomes da Cunha – Professora de Antropologia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ)
35. Otávio Velho – Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) -
Pesquisador 1-A do CNPq
36. Pablo Gentili – Professor de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) - Diretor do LPP – UERJ
37. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – Professora de Educação da Universidade Federal
de São Carlos (UFSCAR) e conselheira do Conselho Nacional de Educação
38. Raimundo Jorge – Professor de Ciência Política da UFPA – Propositor do Sistema de
Cotas da UFPA
39. Renato Emerson dos Santos – Professor de Geografia da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ)
40. Renato Ferreira – Advogado da EDUCAFRO - Pesquisador do PPCOR-UERJ
41. Rita Laura Segato – Professora da Universidade de Brasília – Pesquisadora 1-A do
CNPq – Propositora do Sistema de Cotas da UnB
42. Sales Augusto dos Santos – Doutorando de Sociologia da UnB/Pesquisador do NEAB
da UnB
43. Sílvio Humberto Cunha – Professor de Economia da Universidade Estadual de Feira de
Santana (UEFS)/Diretor do Instituto Steve Biko
44. Tânia Stolze Lima – Professora de Antropologia da Universidade Federal Fluminense
45. Valter Roberto Silvério – Professor de Sociologia da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCAR)/Membro da Comissão Oficial para Formulação de um Sistema de Cotas
para a UFSCAR
46. Wilson Mattos – Professor de História da Universidade Estadual da Bahia
47. Zélia Amador de Deus – Professora de Artes da UFPA – Propositora do Sistema de
Cotas da UFPA

Comentários

Anônimo disse…
QUANDO MATEMÁTICA É USADA COMO LÂMINA DE CORTE SOCIAL

Vou relatar um pequeno caso que é bastante comum no Brasil. Há um quadro dantesco que foi pintado com cores e borrões variados, mas de vista simples: universidades públicas, como o campus da UFPA/Belém, têm praticamente mantidas o quantitativo de vagas. Não obstante, o número dos aptos ao ingresso nunca parou de crescer. Assim, fica o problema posto: Vestibular, PSS, seja que nome tenha, torna instrumento da mais alta necessidade de exclusão social, posto ser esse obrigatório produzir mais é reprovado.

Nisso também, não se pode apenas dizer ao jovem quando bate na porta da universidade pública que não há vaga. É necessário que isso seja expresso de uma forma tal que ele pense ser o incapaz, que estudou pouco, o culpado e, em alguns casos, visto até como único responsável.

Já matemática tem por propriedade de que quase nada em Física e Química, por exemplo, pode ser feito sem conhecer o seu básico. Basta uma leve olhada na resolução do PSS3/UFPA para ter-se essa certeza. Por uma das muitas infelicidades nossas, não posso indicar a página do DAVES/UFPa para tanto, pois lá não há isso. Consta no endereço www.grupoideal.com.br/batistacampos/3ªEtapaPSS.pdf, a quem agradeço pela chance dada aos pobres, os que não sabiam e descobriram o link, para aprender e, pelo menos, não correr mais tanto risco de ser reprovado na próxima vez com a mesma questão e/ou similar até. É abominável, acho, sustentar universidade pública que (re)produz processo que faz com que educando permaneça propositadamente ignorando alguma coisa .

Portanto, só um péssimo ensino da matemática produz três zeros para que a taxa paga pelo candidato vire um belo pirão. E, ninguém em tal história quer comer pirão de açaí com tamuatá; preciso dizer o quanto torna interessante o terrorismo social com tal disciplina, e até desleixo, pelo Brasil todo? O que justificaria se não isso o fato do MEC aprovar e comprar livro didático dito de matemática para nossas crianças no qual é ilustrado o número sete com um gatinho sendo jogado do sétimo andar?

Junte nisso agora uma questão do vestibular elaborada errada ainda que uma montanha de zero bloqueia toda entrada da universidade e deixa de fora muita gente só lambendo os beiços e outra de cadeiras vazias predomina em muitas salas de aulas, fazendo docente ter mais não-estudantes. O que produziu isso ao longo dos anos torna quase impossível fazermos um diálogo. Vou tentar e peço paciência ao leitor. Especialmente reprovados e pais de algum deste.

Uma brincadeira interessante deste dos primeiros anos escolares, por exemplo, é a seguinte: considere seis posições igualmente espaçadas sobre um círculo e que se sabia que duas dessas são ditas diametralmente opostas quando a linha reta que as unem passa pelo centro do círculo. Um problema que pode ser colocado, dentre outros, é: dado um quantitativo de pessoas, qual é o total de possibilidades para colocarmos essas em tais posições de tal forma que quaisquer duas delas não fiquem diametralmente opostas. Como em todo problema, o começo é descobrir o óbvio: se for apenas uma pessoa, em qualquer uma das seis posições que for colocada, o exigido fica cumprindo. Isto é, há seis possibilidades por pessoa. Se houver, por exemplo, seis pessoas para escolher uma dessas, princípio geral, a multiplicação das possibilidades diz haver 6x6 possibilidades ao todo.

Caso sejam escolhidas quatro ou mais pessoas, não é difícil descobrir ser impossível satisfazer o requerido por ser apenas seis posições no círculo. Portanto, resta contar os casos em que são escolhidas duas e três pessoas. Isso vai levar um pouco mais de perspicácia, papel e tinta. E, o mais importante: não haverá educando que tenha assim sido despertado que chegue ao ensino médio sem querer aprender um método de cálculo, e há, que lhe permita fazer tal contagem mais rapidamente.
Trabalho não falta, precisa, mas nada espantoso para ser ensinado e longe de ser impossível aprender. Especialmente quando esse sabe que isso será determinante para que ingresse no ensino superior com tudo já pago pelo erário público. E, se assim fosse feito, no que dependesse disso, mais do que preencher as vagas, ainda ficaria um bom quantitativo esperando qualquer desistência. E mais ainda: ficaria urgentíssimo reservar cada centavo disponível para ampliar vagas. Não sendo dessa forma, até gastar milhões para fazer auditório para 1.000 pessoas para ser usado uma vez na vida, é moralmente justificável numa universidade pública.

E, mesmo no caso em que tudo anteriormente foi feito, se foi é raro, afirmo, ainda não é suficiente para destravar a desgraça do ingresso ao ensino superior se na prova o escrito, como ocorreu no PSS 2/2008, for do tipo:

8. O número de possibilidades de colocar seis pessoas em círculo igualmente espaçadas, de modo que duas delas não possam ficar em posições opostas, é:
(A) 96 (B) 120 (C) 24 (D) 72 (E) 60
http://www.daves.ufpa.br/pss2008/Fase%202/PSS2008_PROVA%20fase2.pdf

Leia só o espanto de um experiente professor de matemática paraense em vestibular, depois que leu o meu ¨reclame¨ enviado ao Diretor do DAVES logo após de haver publicado tal prova: ¨Fala JB. De fato ao ler somente a questão me disse "ué, todos podem ser considerados em posições opostas", por exemplo eu e você, neste exato momento, onde quer que estaríamos, estamos em posições opostas. O termo diametralmente é indispensável, embora a justificativa que certamente será dada de que "está subentendido". Faltou um pouco de atenção do elaborador e do revisor. Saudações. ¨.

Note que o(a) redator(a) do quesito escreveu ¨colocar seis pessoas¨, portanto, não que irá escolher algumas entre essas que serão colocadas, mas logo todas. Sendo, como já citei, isso um dos casos impossíveis no caso. Isso só numa prova já é dantesco, quanto mais por anos e anos infindáveis. E, só duas das mais graves conseqüências disso são:

1 - como logo após da prova não foi publicado o que achava quem elaborou ser solução, nem qual intenção tinha fica como sabermos, menos ainda o que achou ser correto fazer.

2 - A questão não foi anulada, portanto não pontuaram os candidatos, donde jogaram o zero matemático que pertence, de fato, a quem elaborou nas costas dos inocentes.

Em tal história, educacionalmente macabra, o que não espanta é que digam haver sobrado vagas na UFPA (542 vagas) por serem os estudantes paraenses incapazes e dias depois resolvam fazer novo vestibular argumentando que em poucos dias irão aprender tudo, mas que não haverá isenção de taxa.

PROF. JOÃO BATISTA DO NASCIMENTO – INST. MAT. UFPA
www.cultura.ufpa.br/matematica/?pagina=jbn

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