Notícias do Caminho - de Logroño a Nájera
- Para que no tragues polvo!
Esta frase, gritada por um jipeiro que cruzou comigo hoje - 24 de abril de 2010, sábado - entre Logroño e Nájera resume o espírito que une os que fazem o Caminho, a pé, de bicicleta, a cavalo ou de jipe. Os jovens jipeiros - sábado e domingo é dia de cruzar com jipeiros e ciclistas no Caminho - reduziram a velocidade ao mínimo antes de cruzarem comigo e responderam a minha saudaçao com esse grito: Para que nao comas poeira!
Lembrarei disso para sempre. Um gesto de delicadeza inesperado para quem está acostumado a rudeza do trânsito urbano, que nao dispensa uma espargida de lama empoçada em dia de chuva. E como chove em Belém. Mas no Caminho tudo muda. O mundo visto a pé é outro mundo. Outra sensibilidade. Agradecerei a esses dois jovens jipeiros para o resto de minha vida o gesto de fidalguia e de polidez. Polidez, relembremos, é a virtude primeira, pela qual chegamos às outras.
Saímos de Logroño por volta de sete da manha. A vela ponte de pedra refletida no rio fazia uma agradável e inesquicível simetria. Lembrei de Puente La Reina. Passamos em frente al albergue e logo pela fonte de peregrinos. As ruas estao sendo lavadas (isso mesmo, lavadas). Atravessamos a cidade inteira e ingressamos no seu belo parque, qeu tem seu ponto culminante no Alto da Grajera (550 m sobre o nível do mar), uma represa onde já encontro pescadores. É a segunda vez que passo aqui e ainda nao consegui ver nenhum deles com um peixe no anzol. Combinei com meus amigos aguardá-los em Navarrete. Um bondoso senhor me acompanha por alguns minutos e me orienta detalhadamente, entre uma baforada e outra do charuto matutino. No final da represa encontro patos selvagens, lindos e nem tao ariscos assim. Os vinhedos da Rioja deixam claro que estamos em terra de bons vinhos.
Reencontro o touro negro que é a marca registrada do jerez Osborne. Araceli e eu nos lembramos sempre dele desde que passamos por aqui em 2007. No alambrado as cruzes feitas com pedaços de madeira estao como há três anos. Passa por mim Manfred, um checo que me acompanha trocando dedos de prosa daqui por diante e reclamando dos preços de Praga (ele vive nos arredores). Uma figura.
Os ateliês cerâmicos nos indicam que estamos chegando a Navarrete, famosa por suas cerâmicas. Reencontro os tinajones, iguais aos que existem até hoje nas províncias orientais de Cuba, e que no passado transportaram vinho e azeite de oliva da Espanha para a ilha. Na entrada de Navarrete encontro as fundaçoes do hospital de peregrinos de San Juan de Acre. Logo estou na cidadezinha e no bar Los Arcos aguardo meus amigos, que caminham devagar. Crianças em uma sacada lembram minhas netas. Atualizo o correio eletrônico e o blog. Nos reencontramos depois de uma da tarde. Caminham muito devagar. Confisco a carteira de cigarros de minha amiga e parto para Ventosa, oito quilômetros mais adiante. Uma escultura homenageia os ceramistas. Uma chaminé tem um ninho de cegonha, certamente o mesmo casal que encontrei em 2007 (cegonhas sao fiéis). Na saída de Navarrete a porta do cemitério é a porta do antigo hospital de peregrinos.
A meio caminho topo com a Cooperativa Vinícola de Sotés, cercada de vinhedos, a marca da paisagem nesta regiao. Em um túnel por baixo da rodovia palavras de ânimo. Aqui o Caminho obrigou as rodovias a construir túneis para os peregrinos, despertando a ira dos ambientalistas que nao aceitam esses arranjos. Antes das três da tarde chego a Ventosa e espero meus amigos. No Ayuntamiento uma pichaçao esculacha o Conselho Regulador local (aqui é terra de vinhos e o Conselho Regulardor decide quem tem ou deixa de ter denominaçao de origem controlada ou qualificada). Fico horas descansando em um albergue privado administrado por voluntárias alemas, com uma bela fonte de água fria na frente.
Cinco da tarde parto para Nájera onde vou esperar meus amigos. A idéia é reencontrá-los no albergue municipal.
Vinte minutos depois das seis passo por Alesón, três quilômetros antes de Nájera. Pouco depois das sete da noite - o sol ainda está alto nesta belíssima primavera - chegou às margens do Rio Najerilla. Com todo respeito, um igarapé. Mas que é respeitado pelos moradores da cidade, que cuidam bem dele. A tarde é belíssima e, como três anos passados, as pessoas estao esparramadas nas suas margens gramadas. Os bares estao lotados neste sábado e chego no albergue a tempo de encontrar cama. Mas a previsao é que meus amigos cheguem por volta de dez da noite e terao que ir para o Hotel San Fernando. Os hospitaleros sao alemaes. Este albergue de Nájera é dos que mais aprecio, pelo seu legítimo espírito jacobeo. A disciplina obriga-me a deixar o cajado e as botas no local apropriado. Arrumo a cama e tomo uma ducha fria (a quantidade de peregrinos faz a áqua quente acabar logo). Miguel (de Barcelona) e Olinda (de Portugal) já chegaram e perguntam por meus amigos. Por telefone oriento meus amigos a procurarem o Hotel San Fernando e vou para o asador El Buen Yantar, o preferido dos peregrinos, merecidamente. Reencontro os amigos que fui fazendo nestes últimos dias e que ainda encontrarei nos próximos. O menu do peregrino do asador é da melhor qualidade: pochas (favas) a la riojana, costilla de cordero a la brasa, pan, vino (Señorio de Uñuela 2009, Temparañillo, Denominación de Origen Calificada Rioja Alta) e tarta de San Marco. Sai por 9,50 euros, com a gorjeta. Valeu a pena. Por telefone meus amigos avisam que estao na entrada da cidade, mas é tarde demais para chegarem ao albergue e terao mesmo que ir ao hotel.
Caminho de volta para o albergue e, disciplinadamente, dez da noite estou no beliche, feliz da vida, para amanha cedo reencontrar os amigos e partir para Santo Domingo de La Calzada.
Lembrarei disso para sempre. Um gesto de delicadeza inesperado para quem está acostumado a rudeza do trânsito urbano, que nao dispensa uma espargida de lama empoçada em dia de chuva. E como chove em Belém. Mas no Caminho tudo muda. O mundo visto a pé é outro mundo. Outra sensibilidade. Agradecerei a esses dois jovens jipeiros para o resto de minha vida o gesto de fidalguia e de polidez. Polidez, relembremos, é a virtude primeira, pela qual chegamos às outras.
Saímos de Logroño por volta de sete da manha. A vela ponte de pedra refletida no rio fazia uma agradável e inesquicível simetria. Lembrei de Puente La Reina. Passamos em frente al albergue e logo pela fonte de peregrinos. As ruas estao sendo lavadas (isso mesmo, lavadas). Atravessamos a cidade inteira e ingressamos no seu belo parque, qeu tem seu ponto culminante no Alto da Grajera (550 m sobre o nível do mar), uma represa onde já encontro pescadores. É a segunda vez que passo aqui e ainda nao consegui ver nenhum deles com um peixe no anzol. Combinei com meus amigos aguardá-los em Navarrete. Um bondoso senhor me acompanha por alguns minutos e me orienta detalhadamente, entre uma baforada e outra do charuto matutino. No final da represa encontro patos selvagens, lindos e nem tao ariscos assim. Os vinhedos da Rioja deixam claro que estamos em terra de bons vinhos.
Reencontro o touro negro que é a marca registrada do jerez Osborne. Araceli e eu nos lembramos sempre dele desde que passamos por aqui em 2007. No alambrado as cruzes feitas com pedaços de madeira estao como há três anos. Passa por mim Manfred, um checo que me acompanha trocando dedos de prosa daqui por diante e reclamando dos preços de Praga (ele vive nos arredores). Uma figura.
Os ateliês cerâmicos nos indicam que estamos chegando a Navarrete, famosa por suas cerâmicas. Reencontro os tinajones, iguais aos que existem até hoje nas províncias orientais de Cuba, e que no passado transportaram vinho e azeite de oliva da Espanha para a ilha. Na entrada de Navarrete encontro as fundaçoes do hospital de peregrinos de San Juan de Acre. Logo estou na cidadezinha e no bar Los Arcos aguardo meus amigos, que caminham devagar. Crianças em uma sacada lembram minhas netas. Atualizo o correio eletrônico e o blog. Nos reencontramos depois de uma da tarde. Caminham muito devagar. Confisco a carteira de cigarros de minha amiga e parto para Ventosa, oito quilômetros mais adiante. Uma escultura homenageia os ceramistas. Uma chaminé tem um ninho de cegonha, certamente o mesmo casal que encontrei em 2007 (cegonhas sao fiéis). Na saída de Navarrete a porta do cemitério é a porta do antigo hospital de peregrinos.
A meio caminho topo com a Cooperativa Vinícola de Sotés, cercada de vinhedos, a marca da paisagem nesta regiao. Em um túnel por baixo da rodovia palavras de ânimo. Aqui o Caminho obrigou as rodovias a construir túneis para os peregrinos, despertando a ira dos ambientalistas que nao aceitam esses arranjos. Antes das três da tarde chego a Ventosa e espero meus amigos. No Ayuntamiento uma pichaçao esculacha o Conselho Regulador local (aqui é terra de vinhos e o Conselho Regulardor decide quem tem ou deixa de ter denominaçao de origem controlada ou qualificada). Fico horas descansando em um albergue privado administrado por voluntárias alemas, com uma bela fonte de água fria na frente.
Cinco da tarde parto para Nájera onde vou esperar meus amigos. A idéia é reencontrá-los no albergue municipal.
Vinte minutos depois das seis passo por Alesón, três quilômetros antes de Nájera. Pouco depois das sete da noite - o sol ainda está alto nesta belíssima primavera - chegou às margens do Rio Najerilla. Com todo respeito, um igarapé. Mas que é respeitado pelos moradores da cidade, que cuidam bem dele. A tarde é belíssima e, como três anos passados, as pessoas estao esparramadas nas suas margens gramadas. Os bares estao lotados neste sábado e chego no albergue a tempo de encontrar cama. Mas a previsao é que meus amigos cheguem por volta de dez da noite e terao que ir para o Hotel San Fernando. Os hospitaleros sao alemaes. Este albergue de Nájera é dos que mais aprecio, pelo seu legítimo espírito jacobeo. A disciplina obriga-me a deixar o cajado e as botas no local apropriado. Arrumo a cama e tomo uma ducha fria (a quantidade de peregrinos faz a áqua quente acabar logo). Miguel (de Barcelona) e Olinda (de Portugal) já chegaram e perguntam por meus amigos. Por telefone oriento meus amigos a procurarem o Hotel San Fernando e vou para o asador El Buen Yantar, o preferido dos peregrinos, merecidamente. Reencontro os amigos que fui fazendo nestes últimos dias e que ainda encontrarei nos próximos. O menu do peregrino do asador é da melhor qualidade: pochas (favas) a la riojana, costilla de cordero a la brasa, pan, vino (Señorio de Uñuela 2009, Temparañillo, Denominación de Origen Calificada Rioja Alta) e tarta de San Marco. Sai por 9,50 euros, com a gorjeta. Valeu a pena. Por telefone meus amigos avisam que estao na entrada da cidade, mas é tarde demais para chegarem ao albergue e terao mesmo que ir ao hotel.
Caminho de volta para o albergue e, disciplinadamente, dez da noite estou no beliche, feliz da vida, para amanha cedo reencontrar os amigos e partir para Santo Domingo de La Calzada.
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