Notícias do Caminho de Santiago - de Izco a Puente La Reina

Acordo mais cedo ainda e me preparo para tomar o taxi, que chega na hora certa do dia 19 de abril de 2010, segunda-feira, ainda escuro. Jorge me deixa no ponto exato onde chegara na véspera e me indica a próxima seta. Uso pouco a lanterna, pois o dia já clareia. Agora vai ser uma sucessao de pequenas aldeias ao lado do Canal de Navarra e da rodovia que ruge a minha direita. Pamplona se vê ao longe. Uma imensa construçao parece uma indústria, mas pode ser também um presídio. Logo passo por Abinzano e estou de volta a Monreal. Preocupado, falo com uma moradora que afixava um cartaz no albergue e dela indago se tem o telefone atual do albergue de Zubiri. Nao tinha. Resolvi ligar para 112, o telefone de Emergencias. A atendente me acalma e diz para volta a ligar para o albergue mais tarde.
As cidadezinhas e os trigais vao se sucedendo e o contraste entre a grande cidade, o canal, a rodovia e as culturas atenuam a preocupaçao. Resolvo voltar a ligar para 112 e agora a atendente pede mais detalhes e promete dar um retorno. Continuo caminhar. Yarnoz, Otano, Ezperun, Gerendiain e Tiebas, onde paro para cuidar dos pés e apreciar a paisagem. Nestas horas estas cidades parecem fantasmas, pois nao encontramos quase ninguém. Em Tiebas é feriado, por alguma razao. Sem tempo para parar para comer, vou mastigando os sanduíches enquanto caminho. Recebo uma ligaçao da Emergência tranquilizando-me, pois nao há registro de desaparecidos no Caminho. Fico mais calmo e resolvo mandar mensagens para minha família. MInha esposa me telefona para dar notícias. Peço-lhe para obter notícias de meus amigos com a família deles.
Agora, depois de Muruarte de Reta, os lugares vao ficando mais perto uns dos outros: Olcoz, Enériz e Eunate. Na Igreja de Santa Maria de Eunate encontro uma excursao de jovens estudantes. Esta bela igreja românica do Século XII é surpreendente. Está intacta, no meio do campo. Junto dela tem um pequeno albergue. Recuso a gentil oferta de uma senhora a quem pergunto se a cidade adiante é Puente. Era Óbanos, onde passo por baixo de chuva. Os vinhedos estao sendo cuidados. Passo aí e logo avisto Puente La Reina, onde o Caminho me leva diretamente para a recepçao do albergue Jakue. Meus amigos nao chegaram, mas a recepcionista me diz com tranquilidade que eles chegarao. A afliçao agora é mínima. Este alberque é um dos melhores do Caminho. Me acomodo e logo recebo uma mensagem da minha esposa dando conta que está tudo bem com meus amigos. Agora, enfim, fico em paz.
O jantar no Jakue é um Menu do Peregrino diferente, porque é um buffet de saladas, uma entrada quente, um prato principal (escolhi atum), sobremesa (arroz doce), pao, vinho e água (11 euros). O vinho é Pago de Óbanos, uma denominaçao de origem controlada da cidade vizinha, que faz bonito.
Vou para a Internet atualizar estes posts e meus correios.
Agora posso dormir em paz.
No dia seguinte saio para visitar a cidade e fotografar com calma. Aproveito para encurtar minha calça com Juana (Plaza Luis Morondo, 3 - 1º B - tel. 948 34 02 27, em um conjunto habitacional três quadras a direita antes da ponte). Compro o lanche e volto para o Jakue.
Estou aqui na Internet quando meus amigos chegam, finalmente.
Nos abraçamos com a certeza de que agora nossos Caminhos seguem juntos.
Almoçamos na Sidreria Ilzarbe, ao lado do Jakue. A garçonete nos atende em português: é a baiana Sueli, que chegou aqui em 2007. Sua irma vive em Óbanos com o marido e cinco filhos, e vive de cuidar de um anciao. Suely caminhava todos os dias 2,2 km para vir trabalhar, mas agora tem seu próprio carro.
Todos os dias aprendemos liçoes no Caminho. A deste pedaço, com certeza, foi a necessidade de sermos resilientes, sempre, adaptando-nos constantemente.
Caminhei 110 km em três dias na esperança de reencontrar amigos. Nao sendo isso possível, descansei e agora vamos juntos amanha para Estella.
Nao somente para Estella, mas para Santiago.
Nao somente para Santiago, mas para Finisterre.
Nao somente para Finisterre, mas para a vida.
O Caminho nos ensina a viver.

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