ABUSO DE DIREITO 10/04/2010 , 16:18 hs Empresa condenada a indenizar metalúrgicos de Caxias (RGS) por uso desvirtuado do direito de ação.
(*) Luiz Salvador
A Fras-Le S/A foi condenada em sentença a pagar ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul indenização por litigância de má-fe no mesmo processo em que demanda contra os metalúrgicos de Caxias, onde pede indenização por dano moral e material decorrente de greve legada a efeito nas dependências da empresa.
Na exordial, a empresa alega abuso do direito ao exercício de greve por parte do sindicato obreiro, sendo que após instruído o processo, no exame das provas concluiu o juiz MAURÍCIO M. MARCA da 4ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul (processo n. 00316-2008-404-04-00-3) ter agido com má-fé e deslealdade processual, editando os documentos acostados aos autos, concluindo, com precisão a sentença:
“O processo não pode ser tratado como coisa das partes. O processo tem caráter nitidamente público. O Estado-Juiz ao estabelecer o monopólio da Jurisdição, sancionando a auto-tutela privada, assumiu o dever de dar a cada um o que é seu, para com isso atingir o objetivo de pacificação social. O processo é o único instrumento de que dispõe o Estado-Juiz para cumprir tais finalidades. Por isso, não pode o Juiz permitir que o processo seja utilizado pelas partes não para exercer legítimo direito de ação ou defesa, mas para, em abuso e desvio de finalidade do direito, alegar-se fatos escancaradamente alheios a verdade com o propósito de vendeta ou revanchismo, em evidente desprestígio do Poder Judiciário como um todo” .
Leia a íntegra da sentença
SENTENÇA
Processo: 00316-2008-404-00-3 Reclamante: Fras-Le S/A Reclamado: Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul
Fras-Le S/A ajuíza reclamação trabalhista contra Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul, qualificados na inicial, afirmando, em síntese, que: a) é empresa do ramo metalúrgico com 2520 colaboradores; b) como comprovam gravação em vídeo, fotografias e futura prova testemunhal, no dia 28/01/2008, por volta das 6h, o réu por seus representantes obstruiu os portões de acesso às dependências da autora em piquetes que impediram o ingresso normal dos trabalhadores; c) abriu o portão principal de acesso e postou um caminhão em rua interna que dá acesso às dependências da autora, permanecendo no local de modo a impedir o acesso dos trabalhadores aos locais de trabalho; d) “o processo produtivo da empresa permaneceu paralisado até o final da tarde do citado dia”; e) em razão destes fatos ingressou com ação possessória e obteve a concessão de liminar; f) os representantes do sindicato “não permitiram a entrada dos trabalhadores que iniciavam as atividades”; f) além disso, “no afã de impedir o trabalho dos empregados da Autora, adentraram nas suas dependências e obrigaram os trabalhadores a saírem de seus postos de trabalho”; g) o sindicato ultrapassou os limites do seu direito ao não se limitar a dirigir-se aos trabalhadores que compõem a categoria; h) além do simples exercício do direito de reunião a todos constitucionalmente assegurado o réu praticou atos que transbordaram os limites da licitude, impedindo o acesso dos trabalhadores aos locais de trabalho; i) somente “desistiram da invasão” por força de mandado judicial expedido pelo Juízo da 4a Vara do Trabalho; j) “a atitude arbitrária do Réu violou os direitos da empresa e lhe causou prejuízos irrecuperáveis, que englobam o valor da produção perdida e os salários e encargos sociais incorridos”; k) transcreve doutrina acerca do abuso do direito de greve; l) “imprescindível afirmar que o dano moral está materializado, em face de pronunciamentos agressivos proferidos por dirigintes do Réu”; m) o ato do réu é reiterado como comprova sentença que acompanha a petição inicial. Em razão desses fatos postula a “condenação do réu a ressarcir os prejuízos materiais e morais sofridos pela autora, que englobam o valor da produção perdia, os salários e os encargos sociais, a serem apurados através de prova pericial técnica, desde já requerida, mais valor a título de dano moral”, acrescida de custas processuais e honorários de advogado. Atribui à causa o valor de R$ 10.000,00. A autora altera o valor da causa para R$ 50.000,00. O reclamado sustenta que ao contrário do que afirma a petição inicial: a) não obstruiu os portões de acesso; b) não impediu ingresso normal do seu quadro funcional; c) não ingressou mediante violência nas dependências da empresa; d) não impediu o acesso de trabalhadores às dependências da empresa e aos respectivos locais de prestação de serviço; e) não obrigou os trabalhadores a saírem de seus postos de trabalho; f) não intimidou os que demonstravam intenção de ingressar no recinto para trabalhar; g) “a manifestação sindical não foi imposta mediante coação, mas foi ato de vontade consciente dos empregados da autora, que sempre estiveram plenamente conscientes das decorrências de seus atos e voluntariamente optaram por manifestar-se”; h) a autora compensou as horas não-trabalhadas o que anula qualquer prejuízo; i) ademais, caso a empresa tenha pago as horas não trabalhadas o fez “por sua conta e risco”; j) se se entender pela obrigação de indenizar a culpa é concorrente na medida em que decorrente do ato patronal de dispensar empregado dirigente sindical com estabilidade no emprego e “rever seu ato arbitrário e por ter inclusive recusado a estabelecer qualquer negociação a respeito desse ponto. Note-se que a proposta conciliatória formulada pelo Juiz do Trabalho foi solenemente afastada pela empresa, o que demonstra seu desprezo pela via conciliatória e sua clara, decidida e planejada opção pelo confronto e cizânia”; k) na colisão de direitos fundamentais não se pode sacrificar completamente um deles. Produz-se prova documental, perícia contábil e ouvem-se três testemunhas e um informante. Razões finais por escrito. Propostas conciliatórias rejeitadas. É o relatório. Decide-se: I – Fundamentação 1 – análise das razões finais da autora A autora afirma em razões finais: 1. a incompetência funcional do Juízo que presidiu a audiência de instrução, sob o fundamento de que havia sido promovido a Juiz Titular da 2a Vara do Trabalho de Uruguaiana, em conformidade com a portaria 4785 de 3 de setembro de 2009. Requer “a pronúncia de nulidade da derradeira audiência, presidida e realizada por Magistrado não designado legalmente para o ato, em face de estar lotado para outra localidade” (fl. 342); 2. afirma a existência de manifestação de prejulgamento do processo do que “resulta a ausência da recomendada isênção de ânimo do Magistrado para o ato realizado, tampouco para sentenciar o feito, em face ao que a Peticionária a sua suspensão (sic) e requer seja reconhecida e pronunciada, para os efeitos de direito, proclamando a nulidade do ato, e determinado a realização de outra audiência por juiz competente, que também deve proferir sentença”; 3. ratifica os demais atos processuais e “registra o seu protesto por cerceamento defensivo, em face da ouvida da testemunha Jorge Antônio Rodrigues”. Nada mais equivocado. O Magistrado que dirigiu a audiência realizada em 11/11/2009 não o fez por sua livre escolha sem estar “designado legalmente para o ato”. A direção das audiências realizadas na 4a Vara do Trabalho de Caxias do Sul no dia 11/11/2009 decorreu de determinação expressa do Tribunal Regional do Trabalho por meio do órgão competente para tanto que é a Corregedoria Regional formalizada mediante a portaria n. 6066/2009, em razão do notório excessivo movimento processual existente nas unidades judiciárias de Caxias do Sul. A autora não ingressa com exceção de suspeição do Juízo na forma prescrita nos art. 304 e 312, do CPC, a ser apresentada em peça em separado e dirimida pelo E. Tribunal quando rejeitada. Sustenta a “suspensão” do Juízo no corpo das razões finais e dirige ao próprio Juízo requerimento de nulidade processual. Diante disso, cumpre ao Juízo decidir, até para que não paire nenhuma dúvida acerca da mais absoluta isenção de ânimo para julgar a causa. Em absoluto houve qualquer prejulgamento por parte deste Juízo. Única e exclusivamente após encerrada a instrução, em estrita observância aos artigos 764, parágrafo primeiro c/c 850, parte final, da CLT o Juízo renova a proposta de conciliação mediante eventual estabelecimento de procedimentos-padrão nas mais variadas manifestações do réu que conciliassem o direito de manifestação com o respeito ao patrimônio da autora e a liberdade de decisão dos trabalhadores individualmente, ao que a autora recusa-se a negociação por sustentar que o prejuízo está esclarecido no laudo pericial contábil e há precedente jurisprudencial favorável. Como a conciliação pressupõe concessões recíprocas, o único esclarecimento do Juízo às partes foi de que não necessariamente concordava com os fundamentos jurídicos do precedente jurisprudencial a que a autora se referia, além de se tratar de outro processo que pode deter substrato fático e conseqüente decisão absolutamente diversa. É o que bastou para destes e exclusivamente destes fatos, a autora extrair a necessidade de tentar afastar o Juiz que de modo formal foi designado para presidir a instrução, não deste processo que sequer tinha conhecimento da existência, mas de inúmeros processos presentes nas pautas de audiência durante a atuação em Caxias do Sul. Às escâncaras o que pretende a autora é – ao tentar afastar Juiz cuja decisão desconhece – tentar a sorte mediante a remessa dos autos para outros Juízes com atuação permanente em Caxias do Sul cujo posicionamento é do conhecimento da autora por decisões anteriores, seja em ações de indenização, seja em ações possessórias. No mais, a autora sequer cogita a ocorrência de qualquer das hipóteses numeradas de modo taxativo nos artigos 134 e 135, do CPC. Por último, a autora protesta por cerceamento de defesa em razão da oitiva da testemunha Jorge Antônio Rodrigues. Ocorre que o Sr. Jorge Antônio Rodrigues foi ouvido na qualidade de informante em razão do deferimento por este Juízo da contradita apresentada pela própria autora porque “foi o pivô dos acontecimentos que deflagaram a ação em tela” e “na condição de secretário do sindicato a que se vincula, é manifesto o seu interesse no resultado da ação. Em consequência, certamente carecerá da isenção recomendada para as declarações que fará” (ata - fl. 336). Os protestos foram lançados pelo réu em audiência. 2 – valor da causa O valor atribuído à causa tem repercussões notórias e de ordem pública no processo. É relevante para definir o rito processual, se ordinário ou sumaríssimo, conferir acesso ao duplo grau de jurisdição, bem como é a base de incidência das custas processuais e da multa por embargos de declaração protelatórios. Por isso, o valor atribuído à causa deve observar um mínimo de razoabilidade em relação ao efetivo conteúdo econômico dos pedidos. A jurisprudência é pacífica quanto às repercussões público-processuais da fixação do valor da causa que justificam e exigem a alteração de ofício pelo Juízo quando flagrantemente desproporcional ao conteúdo econômico da pretensão. Vejamos, respectivamente, acórdão do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região: “RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. ARTIGO 261 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FIXAÇÃO DO VALOR DA CAUSA DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. As regras sobre o valor da causa são de ordem pública, podendo o magistrado, de ofício, fixá-lo quando for atribuído à causa valor manifestamente discrepante quanto ao seu real conteúdo econômico. Precedentes. Recurso especial não conhecido” (Rel. Exmo. Min. Castro Filho, REsp 55288/GO, 3a Turma, publicado em 14/10/2002, DJ, pág. 225). “VALOR ARBITRADO À CAUSA DE OFÍCIO. O juiz retificou, de ofício, o valor atribuído à causa pelo reclamante, de R$ 1.000,00 para R$ 100.000,00, tendo em vista que tal valor deve guardar relação com o pedido deduzido, conforme artigos 258, do CPC. (...) Na fixação do valor da causa a parte autora deve observar os parâmetros estabelecidos no art. 259 do CPC, dentre outros. Em caso de cumulação de pedidos, como ocorre, o valor deverá corresponder à quantia correspondente à soma dos valores de todos eles, ou seja, o valor corresponde a cada pedido formulado, sem se perquirir acerca de eventual sucesso ou não da pretensão. No caso, considerando-se a média remuneratória do autor e o valor estimativo dos pedidos, tem-se que o valor atribuído à causa pelo reclamante não se mostra coerente ou compatível com a importância econômica visada, sendo razoável o valor fixado na sentença” (Rel. Exmo. Des. Fabiano de Castilhos Bertolucci, 4a Turma, RO 00802-1999-001-04-00-8, p. 23/08/2007, disponível no sítio www.trt4.jus.br). A pretensão da autora é indenização equivalente ao “valor da produção perdida, os salários e os encargos sociais incorridos, a serem apurados através de prova pericial técnica mais valor a título de dano moral” (inicial – item b – fl. 6). Os valores atribuídos à causa na petição inicial e na emenda, respectivamente, em R$ 10.000,00 e R$ 50.000,00 não guardam nenhuma coerência com o conteúdo econômico da pretensão. A autora afirma na inicial e na emenda que o valor arbitrado à causa é “provisório para efeitos fiscais e de alçada” (fl. 6 e fl. 54) e no pedido que o valor real é o “apurado através de prova pericial técnica” (fl. 6). Na audiência designada para conciliação (fl. 59) o Juiz Guilherme da Rocha Zambrano elabora quesitos “se a autora deixou de ter algum contrato cumprido em virtude do ocorrido” e “se a autora teve alguma multa contratual ou outro custo decorrente da paralisação ocorrida”. A autora protesta sob o fundamento que “excedem o objeto da lide, que se cinge ao valor da produção perdida e salários encargos sociais incorridos” seguindo protesto “pela aplicação, data venia, equivocada, em favor da parte economicamente mais favorecida, do princípio protetivo do processo do trabalho” (fl. 60). A autora reitera na manifestação sobre o laudo que “de ser ressarcida dos prejuízos materiais e morais sofridos, que englobam o valor da produção perdida, salários e encargos sociais incorridos” (fl. 264). O laudo pericial constata que a média de peças produzidas por dia é 438.491 (fl. 115) e que no dia 28/01/2008 foram produzidas 220.631, com o que a autora concorda (fl. 264). O laudo pericial apura que “pela planilha de faturamento da empresa o valor médio de venda por peça foi de R$ 4,64” (quesito b – fl. 116; quesito e – fl. 117). A petição inicial afirma que “ficou paralisada por 1 (um) dia inteiro” (fl. 3), do que resultaria pedido equivalente a média integral da produção diária: 438.491 peças. Contudo, na interpretação mais restritiva possível, conclui-se que “o valor da produção perdida (...) apurados através de prova pericial” (pedido – inicial – fl. 6), equivale única e tão-somente à diferença entre a produção média normal e a produção efetiva do dia 28/01/2008. Portanto o valor do pedido de indenização por dano material deve ser fixado em R$ 1.010.870,40 (438491 – 220.631 = 217860 x 4,64). A petição inicial cumula pedido de dano moral. Os pedidos cumulados devem ser somados (art. 259, II, do CPC). Arbitra-se o pedido de dano moral em R$ 20.000,00. Por tudo que é exposto, fixa-se o valor da causa em R$ 1.030.870,40. 3 – mérito 3.1 - manifestação sindical – abuso de direito – indenização A petição inicial afirma: “De se dizer que se o réu tivesse se restringido a pronunciamentos verbais, o acontecimento teria servido aos seus interesses e teria transcorrido dentro da normalidade, já que estaria exercendo suas funções nos limites de seu direito. Não há dúvidas que um sindicato possa se dirigir aos trabalhadores que compõem a categoria por ele abrangida. Entretanto, não pode ultrapassar os limites do seu direito, como no presente caso” (fl. 3). Portanto, a controvérsia se resume a investigar se a manifestação do réu excedeu ou não o direito de reunião. Em síntese: se houve ou não abuso do direito. Vejamos a lição de Rui Stoco, com suporte em Caio Mário da Silva Pereira: “Em uma proposição simples, poder-se-ia dizer que também encontra supedâneo na extensão do seu exercício, ou seja, aquele que exercita o direito de forma anormal ou irregular e, assim, excede o limite do exercício regular desse direito. Também se comporta o abuso na intenção ou no animus nocendi, quando o agente se inspira na intenção de causar mal a outrem. (...) Sintetizando esse pensamento, o mestre e sempre lembrado Caio Mário da SILVA PEREIRA (1995, p. 430) resumiu, de forma magistral, o sentido da expressão ‘abuso do direito’: ‘Abusa, pois, de seu direito o titular que dele se utiliza levando um malefício a outrem, inspirado na intenção de fazer mal, e sem proveito próprio. O fundamento ético da teoria pode, pois, assentar em que a lei não deve permitir que alguém se siva de seu direito exclusivamente para causar dano a outrem’” (in, Abuso do Direito e Má-Fé Processual, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002, pág. 58/9). A autora apresenta gravação em vídeo da manifestação ocorrida no dia 28/01/2008 para comprovar o abuso do direito porque teria o réu: a) aberto o portão principal de acesso ao parque fabril e procedido à invasão; b) “não permitido a entrada dos trabalhadores que iniciavam as atividades”; c) efetuado discursos inflamados ameaçando ingressar nos locais de trabalho se não houvesse cessação da atividade pelo empregados; d) “obrigado os trabalhadores a saírem de seus postos de trabalho” Ao relato e à análise das imagens: Antes do turno que inicia às 6h, aos 1min33sg de gravação chega ao portão da autora um veículo Santana do qual saem o presidente do réu e mais uma pessoa; o veículo pára na entrada por alguns instantes, manobra e estaciona na lateral. Em seguida, vê-se um caminhão branco pertencente ao réu que pára em frente ao portão de acesso, com mais duas pessoas. A petição inicial afirma “o réu, através de seus representantes, em seguida, abriu o portão principal do parque fabril da autora” (fl. 2/3) para sustentar que teria havia uma “invasão”. Aos 7min40sg vê-se clara e nitidamente que são os vigilantes da autora que abrem o portão de acesso da fábrica, sem nenhuma interveniência das pessoas que aguardam do lado externo, exatamente ao contrário da versão da petição inicial. Em nenhum outro momento do vídeo as pessoas que chegaram junto ou logo depois do caminhão branco e que permanecem no lado externo tocam o portão da autora. Aos 24min de gravação é possível distinguir as pessoas do réu que iniciaram a manifestação porque postadas lado-a-lado de costas para a entrada ao passo que os empregados da autora aguardam o sinal sonoro do início do turno de frente para o portão. Contam-se oito pessoas. Aos 25min de gravação o vídeo mais uma vez contraria frontal e cabalmente a afirmação da petição inicial de que os membros do sindicato “não permitiram a entrada dos trabalhadores que iniciavam as atividades até o momento da desocupação” (fl. 3). No horário de início do turno as oito pessoas que estavam de costas lado-a-lado no portão liberam por completo o acesso e ingressam na fábrica junto com centenas de empregados da autora. Não houve absolutamente nenhum ato de violência ou hostilidade. Percebe-se que permanecem estacionados ao lado do portão de entrada os 3 veículos que trouxeram as pessoas que iniciaram a manifestação. Enquanto continuam a ingressar os empregados da autora, entram no pátio da fábrica 18 veículos pequenos e dois ônibus a evidenciar com segurança que o caminhão do réu não permaneceu em local que impedisse a circulação, inclusive de veículos de grande porte. Aos 33 minutos de gravação encerra-se o vídeo relativamente a entrada do turno das 6h às 15h no dia 28/01/2008 e passa-se para gravação que registra o horário das 14h40min, ou seja, 20 minutos antes da troca de turno. Veêm-se 13 ônibus parados no acostamento da RS-122, centenas de trabalhadores desembarcando e ingressando livremente na fábrica da autora após passarem por oito pessoas que não se dirigem à fábrica, mas permanecem na entrada, sendo que destas, três fazem a entrega de panfletos aos empregados. Logo após o ingresso de centenas de trabalhadores, novos ônibus chegam ao local e ingressam no interior da fábrica sendo ao todo 18 ônibus e doze carros. O último ônibus entra no pátio da autora às 14h50min, pelo horário registrado na gravação, ou seja, com dez minutos de antecedência em relação ao início do turno. Portanto, o vídeo mostra com clareza meridiana que no turno que inicia às 15h o ingresso dos empregados nas dependências da autora também ocorre de modo livre e irrestrito. Não há formação de piquetes e tampouco a prática de qualquer ato pelas oito pessoas que não ingressam na fábrica tendentes a evitar a livre circulação das centenas de empregados da autora. Limitam-se única e tão-somente a entrega de panfletos. Aos 43min05sg do vídeo passa-se à gravação de discurso do presidente do réu sobre o caminhão branco em rua no interior da autora. O discurso não contém nenhuma ameaça, sequer velada, contra os empregados que optaram por não aderir à paralisação. Bem ao contrário, está em perfeita sintonia com o objetivo declarado do movimento que era protestar em face da dispensa de dirigente sindical detentor de estabilidade no emprego. Ao contrário do que afirma a petição inicial não há no discurso nenhuma “ameaça de ingressar nos locais de trabalho” (fl. 3). O discurso igualmente não contém palavras de baixo calão e sequer faz referência a pessoa ou pessoas determinadas da direção da autora. Para exemplificar, o presidente do réu afirma que “O Sindicato dos Metalúrgicos, instituição essa de 75 anos, não pode ser afrontada do jeito que está sendo afrontada; e nós vamos sim aos tribunais internacionais, ao congresso nacional, nós vamos dizer quem é o grupo Randon (...) é por isso que acreditamos no nosso trabalho e em cada um de vocês. Obrigado companheirada”. Aos 45min10sg pode-se perceber os empregados aplaudindo o discurso do presidente do réu, em nítido sinal de anuência. As imagens evidenciam sem a menor sombra de dúvida situação de fato em tudo e por tudo distinta da descrita na petição inicial segundo a qual “os membros do réu (...) no afã de impedir o trabalho dos empregados da autora, adentraram em suas dependências e obrigaram os trabalhadores a saírem de seus postos de trabalho” (fl. 3 – grifo nosso). Obrigar no léxico significa coagir, constranger, compelir, forçar, impor, oprimir, sujeitar. Em hipótese alguma é o que se verifica nas imagens que acompanham a petição inicial. Aos 45min51sg de gravação observam-se algumas pessoas paradas atrás do caminhão do réu que se encontra estacionado em uma rua lateral com possibilidade de passagem pela principal de veículos de grande porte como ônibus. Não há nenhum sinal de violência ou constrangimento, mas de diálogo entre os trabalhadores. Os trabalhadores permanecem de braços cruzados, mas a toda evidência por livre e espontânea vontade de aderir ao movimento proposto pelo réu, sem nenhum contrangimento de qualquer ordem físico, psicológico ou moral. Aos 50min de gravação o caminhão do réu deixa o pátio interno da autora. Não há na saída resistência e tampouco qualquer espécie de violência, da mesma forma que não houve na entrada. Aos 51min de gravação há filmagem da RS 122 na qual 14 pessoas tentam obstruir a passagem de um micro-ônibus e o Santana no qual o presidente do réu chegou a autora no dia 28/01/2008 parado sobre a pista de rodagem, enquanto o caminhão está estacionado no acostamento. Como se constata pela ampliação da imagem anterior, estes fatos ocorreram a distância igual ou superior aos cem metros fixados no interdito proibitório (fl. 34). A tentativa de bloqueio da RS 122 dura exatos 1min06seg. Aos 52min06sg os veículos voltam a transitar, inclusive os ônibus trazendo os trabalhadores que ingressam livremente nas dependências da autora. Outros ônibus param no acostamento, os trabalhadores desembarcam, deslocam-se a pé até a entrada da autora e ingressam livremente no local de trabalho. Aos 58min19sg pode-se observar duas pessoas com panfletos nas mãos e uma carreta ingressando na autora, ouvindo-se ao fundo discurso do presidente do réu no qual afirma que “falaram para nós que ontem a noite foi uma pressão muito grande (...) então é importante que os companheiros peguem o nome do chefe ou do líder que ameaçar voces informa para nós no sindicato para nós poder entrar na Justiça contra a empresa e contra este cidadão”. Enquanto isso, os trabalhadores aparecem ingressando nas dependências da autora. A 1h01min1sg a gravação é claramente editada com corte posterior a expressão “nós não queremos aqui companheiros (...)” no discurso do presidente do réu, impedindo a verificação da existência de informação expressa pelo presidente do réu acerca da liberdade de adesão dos empregados da autora ao movimento. A 1h02min41sg o veículo do presidente do réu é retirado de uma das pistas de rodagem da RS 122. As imagens contidas no DVD que acompanha a petição inicial falam por si mesmas. A filmagem do movimento do réu iniciado no dia 28/01/2008, embora flagrantemente editada em benefício da autora, comprova de modo cabal e irrefutável que simplesmente todos os fatos apontados na petição inicial como exorbitantes ao exercício regular do direito de reunião e manifestação são falsos. O réu não “abriu o portão principal de acesso ao parque fabril” e “invadiu” a autora; não “impediu o acesso dos trabalhadores às dependências da empresa”; não “obrigou” os trabalhadores a saírem dos seus postos e trabalho; não impediu o livre trânsito, inclusive de veículos de grande porte, no interior do pátio da autora; não fez ameaças de qualquer ordem aos trabalhadores; não fez ameças ou dirigiu ofensas pessoais à direção da autora ou a qualquer das pessoas que participavam de reunião do conselho. Aliás, o diminuto número de pessoas ligadas ao réu que iniciaram o movimento no dia 28/01/2008 em relação à imensa massa de empregados da autora, por si só, conduz a inexorável conclusão de que seria simplesmente impossível praticar os atos descritos na petição inicial. A petição inicial informa que a autora conta com 2520 “colaboradores”. Havia um representante do sindicato para cada 315 empregados da reclamada. É inconcebível sequer cogitar que uma pessoa tivesse condições físicas de “obrigar” 315 pessoas a pararem de trabalhar contra sua vontade. Está comprovado à saciedade por imagens de clareza insofismável que o réu única e exclusivamente cumpriu sua função legal na defesa dos interesses dos trabalhadores e do próprio movimento sindical mediante prestação de informações no local de trabalho e exortação a que os trabalhadores que assim desejassem aderissem ao protesto. A queda na produção da autora no dia do movimento proposto pelo réu apontada no laudo pericial não se deveu aos excessos noticiados na petição inicial, mas a adesão espontânea e livre dos trabalhadores. Não houve abuso do direito e, portanto, ilicitude, a respaldar a obrigação de indenizar por danos materiais e morais, postulados na petição inicial. As fotografias de fls. 10/25 comprovam única e exclusivamente que houve paralisação, o que de resto é incontroverso e está admitido na defesa. Os trabalhadores parados registrados nas fotografias, em nenhuma das imagens, estão sob pressão física ou psicológica de qualquer das pessoas que iniciaram o movimento. Simplesmente estão sem trabalhar dada a adesão livre e espontânea à paralisação proposta pelo réu em protesto a dispensa de dirigente sindical reconhecidamente estável. A prova testemunhal produzida pela autora está em contradição com a apresentada pelo réu e em franca contradição com as imagens que acompanham a petição inicial produzidas pela própria autora e com a prova documental. As duas testemunhas ouvidas a convite da autora prestam serviços em área administrativa e estão muito distantes do chão da fábrica. Prestam depoimento nitidamente comprometidas com a versão da autora. Relatam exageros que excedem até mesmo a versão do próprio empregador de modo a comprometer integralmente a credibilidade dos depoimentos. A primeira testemunha trazida pela autora afirma taxativamente “que o turno da depoente, das 6h às 15h15min não trabalhou” e reinquirida reitera “que ninguém trabalhou neste turno das 6h às 15h15min no dia 28/01/2008” (fl. 334). A segunda confirma que “todas as unidades produtivas da autora permaneceram paradas até às 18h” (fl. 335). O documento de fl. 234 apresentado pela própria autora por ocasião da realização da perícia comprova que houve produção no dia 28/01/2008 de 220.631 peças (laudo – fl. 115), com o que expressamente concorda a autora (fl. 264). Além disso, comprova que alguns setores isolados tiveram produção praticamente idêntica e até mesmo superior a média como por exemplo “caminhão” (média 5037, produção 28/01, 4708) e “sapata” (média 5875, dia 28/01, 8286) de modo que houve trabalho normal nos três turnos. É impossível explicar a produção de 220.631 peças no dia 28/01/2008 e em alguns setores até mesmo superior a média dos demais dias sem que tenha havia trabalho. Às escâncaras, por constatação objetiva e matemática, as testemunhas trazidas pela autora mentem em Juízo. Forçoso registrar que o Juízo constata durante a realização da audiência de instrução que a primeira testemunha ouvida a convite da autora não se sente à vontade para prestar depoimento chegando a ponto de questionar “eu tenho que responder esta?”, deixando absolutamente claro que não poderia relatar fatos desfavoráveis a autora. A segunda testemunha ao ser inquirida dentre tantas manifestações do sindicato qual teria chamado mais sua atenção responde “foi a que ocorreu em janeiro/2008” e perguntado o que ocorreu responde com transcrição literal (ipsis literis): “nessa manifestação o pessoal do sindicato entrou na empresa com um caminhão e pelo que notaram foi uma invasão pois arrebentaram uma das cancelas de acesso e pararam em frente a uma das fábricas da empresa, no pátio interno, que nesse dia daí a gente não teve produção, inclusive eles passaram nos setores para ver se tinha alguém trabalhando e aquelas que eles encontravam desligavam as máquinas e faziam sair dos postos de trabalho” (fl. 335). Ora, o ímpeto da testemunha em relatar exatamente o que está na petição inicial é clarividente chegando a ponto de utilizar a mesma expressão (invasão) contida na petição inicial e ignorar a advertência do Juízo para que respondesse o que fosse perguntado e o que tivesse visto (conhecimento pessoal). Ao ser inquirida se havia presenciado o caminhão quebrar a cancela reconhece que “não presenciou o caminhão do sindicato arrebentar a cancela” constando em ata que “o Juízo reitera o quanto dito na advertência, de que a testemunha responda os fatos que presenciou ou ‘que tenha visto’ e não o que ouviu de terceiros’” (fl. 335). 3.2 – litigância de má-fé O artigo 17, II, do CPC estabelece que deve ser reputado litigante de má-fé a parte que alterar a verdade dos fatos. Não cabe ao Juiz deliberar discricionariamente por aplicar ou não a lei. Todos os poderes conferidos pela lei ao Juiz revestem-se em igual proporção do dever de utilizá-los sempre que implementada a hipótese prevista na norma. A aplicação da litigância de má-fé não foge a esta regra configurando-se em típico poder-dever. O processo não pode ser tratado como coisa das partes. O processo tem caráter nitidamente público. O Estado-Juiz ao estabelecer o monopólio da Jurisdição, sancionando a auto-tutela privada, assumiu o dever de dar a cada um o que é seu, para com isso atingir o objetivo de pacificação social. O processo é o único instrumento de que dispõe o Estado-Juiz para cumprir tais finalidades. Por isso, não pode o Juiz permitir que o processo seja utilizado pelas partes não para exercer legítimo direito de ação ou defesa, mas para, em abuso e desvio de finalidade do direito, alegar-se fatos escancaradamente alheios a verdade com o propósito de vendeta ou revanchismo, em evidente desprestígio do Poder Judiciário como um todo. A autora poderia com ampla liberdade desenvolver as mais variadas teses jurídicas e deduzir suas pretensões em Juízo, bem assim poderia interpretar e avaliar os fatos de acordo com seus interesses, mesmo que fosse outra a avaliação do Juízo. Contudo, não se pode conceber como mero exercício do direito de ação a autora afirmar taxativamente: a) que “o Réu através de seus representantes, em seguida, abriu o portão principal de acesso ao parque fabril da autora” e posteriormente, em razão disso, afirmar que o réu “invadiu o interior da sede da Autora” ou “procedeu à invasão” (inicial – fl. 3) quando há imagem registrada em vídeo comprovando que quem abriu os portões foram os vigilantes da autora e que os representantes do sindicato sequer tocaram no portão de acesso principal da fábrica; b) o réu “impediu o acesso de trabalhadores às dependências da empresa” quando há prova por imagem incontestável de que os empregados ingressaram às centenas nas dependências da empresa, seguidos de inúmeros ônibus e carros de passeio; c) o réu “fez discursos inflamados e ameaçando ingressar nos locais de trabalho” para “obrigar os trabalhadores a saírem de seus postos de trabalho” quando há imagem clara e incontestável de que o discurso não conteve uma palavra sequer de ameaça e foi aplaudido pelos empregados da autora. Admitir-se que os fatos narrados na petição inicial em contraposição com prova inconteste são mero exercício do direito de ação é rasgar e tornar letra morta o art. 17, II, do CPC. Incide na espécie a multa de 1% sobre o valor da causa prevista no caput do art. 18, da CPC cumulada com indenização desde logo arbitrada em 20% do valor fixado para a causa, nos precisos termos do art. 18, parágrafo 2º, do CPC. 3.3 - honorários de advogado e assistência judiciária gratuita Nos precisos termos da Instrução Normativa 27 do C. TST em se tratando de processo que não envolve relação de emprego são devidos honorários de advogado nos termos da regra geral de sucumbência prevista no Código de Processo Civil. A autora é integralmente vencida na demanda. 3.4 - honorários periciais A autora é vencida no objeto da perícia contábil (En. 236-TST) devendo arcar com os honorários periciais arbitrados em R$ 2500,00. II – Dispositivo ISTO POSTO, decide a MM. 4ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul, no processo n. 00316-2008-404-04-00-3, proposto por Fras-LE S/A contra Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul, julgar IMPROCEDENTES os pedidos. Condena-se a autora a pagar ao réu: a) multa de 1% incidente sobre o valor fixado para a causa; b) indenização por litigância de má-fé de 20% do valor fixado para a causa; c) honorários de advogado de 20% do valor fixado para a causa; d) honorários periciais arbitrados em R$ 2.500,00. Custas pela autora no importe de R$ 20.617,41, sobre o valor fixado para a causa de R$ R$ 1.030.870,40. Juros e correção monetária na forma da lei. Determina-se a Secretaria que, independente do trânsito em julgado: a) faça duas cópias do DVD que acompanha a petição inicial mantendo uma das cópias permanentemente em Secretaria; b) contate a Secretaria de Informática para que disponibilize diretório seguro para manutenção de uma terceira cópia; c) proceda a juntada da portaria n. 6066 de 28/10/2009, da Corregedoria Regional; d) oficie ao Ministério Público Federal para as providências cabíveis diante da constatação de crime de falso testemunho, encaminhando cópias autenticadas da sentença, das atas de audiência, do laudo pericial contábil, do documento de fl. 234, da manifestação da autora de fl. 264 e do DVD que acompanha a petição inicial. Cumpra-se o demais com o trânsito em julgado. Intimem-se as partes. Não há retenção fiscal e previdenciária. Nada mais.
MAURÍCIO M. MARCA. Juiz do Trabalho.
NB. A sentenca nos foi encaminhada para divulgacao pelo Dr. Pedro Maurício Pita Machado, advogado em Porto Alegre e em Florianopolis-SC, Email: pedro@pita.adv.br
(*) Luiz Salvador é Presidente da ABRAT (www.abrat.adv.br), Presidente da ALAL (www.alal.la), Representante Brasileiro no Depto. de Saúde do Trabalhador da JUTRA (www.jutra.org), assessor jurídico da AEPETRO e da ATIVA, membro integrante do corpo técnico do Diap e Secretário Geral da CNDS do Conselho Federal da OAB, e-mail: luizsalv@terra.com.br, site: www.defesadotrabalhador.com.br
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