Notícias do Caminho - de San Juan de Ortega a Burgos

Quarta-feira, 28 de abril de 2010. Cedinho estamos todos prontos para iniciar a caminhada de quase 28 km até Burgos. Nas máquinas que vendem tudo dá para tirar um paozinho e um capuccino. Na fonte em frente ao monastério abasteço o cantil. Ainda está escuro, mas já dá para ver as setas amarelas. Optamos todos por caminhar pelas trilhas e o mais longe possível da rodovia, que já ruge à distância. Logo passamos por Agés e nas nossas costas uma alvorada fantástica tinge o céu de vermelho e dourado. As gotículas douradas de orvalho continuam marcando o prolongamento de minha sombra no trigal. Logo passamos por Atapuerca, onde passei a noite em 2007 com Araceli. Por aqui passaram nossos antepassados ibéricos. Aqui foi encontrado o Hombre de Atapuerca, de quem descendemos todos nós que temos ascendência ibérica. Agora o lugar está melhor ainda. As ovelhas que encontrei no pasto agora estao no curral, vigiadas por dois imensos caes pastores. Um restaurante novo tem nome apropriado Comosapiens. A subida até o alto continua difícil, mas agora pele menos tenho como me orientar direito. Em 2007 tinha que ficar catando as setas. No alto a cruz de madeira tornou-se um similar da Cruz de Fierro, com milladoiros que terminarao por se tornar uma pequena lixeira de ex-votos. E logo uma vista maravilhosa com Burgos ao fundo. É para lá que vou.
Chego rápido a Cardeñuela-Riopico e como o bar está lotado de peregrinos dou uma esticada a Orbaneja, onde uma senhora se vira para atender a leva de peregrinos. A tortilla está quentinha e ela me explica com muito gosto a receita: frita a batata e a cebola em uma frigideira, com azeite de oliva (isso faz toda a diferença). Em outra frigideira, frita meia dúzia de ovos batidos (em azeito de oliva, por supuesto). Quando estiver no ponto, passa as batatas e as cebolas para esta segunda frigideira. Fora esses ingredientes, apenas o sal e a tradiçao imemorial deste prato simples, substancioso e inesquecível. Um café com leite e uma banana (para repor o potássio) me garantem a pernada até Burgos.
Opto pela trilha que leva a Castañares, costeando o alambrado do aeroporto de Burgos, que estava sem movimento algum. De repente, uma sequência de cinco ou seis avioes aterrisam, passando sobre nossas cabeças. Uma nuvem que presumo seja de poluiçao cobre Burgos. Nao é agradável esta chegada a Burgos. Mas em 2007 foi pior, pois caminhei entre escombros. O barulho da rodovia, do aeroporto e da cidade desagradam os ouvidos sensíveis dos peregrinos. Antes do meio-dia estou caminhando pelas ruas de Burgos, rumo ao alberque municipal, que fica atrás da belíssima catedral. Em 2007 preferi ficar no albergue Santiago y Santa Catalina, mas agora vou para o municipal esperar meus amigos.
O albergue foi reinaugurado em 2008, com recursos públicos e privados. É quase um hotel três estrelas. Três voluntários - dois de idade e um jovem - atendem os peregrinos. O donativo é de escassos 3 euros. Me acomodo já na rotina e divido a máquina de secar com Isabel (uma catala de Barcelona) e um casal espanhol. Saio rapidamente para recarregar o celular e volto para recuperar a roupa seca.
Volto à rua para almoçar na Taverna del Tenorio, na entrada da rua, para que possa ver meus amigos chegarem. A pedida foi um puchero de mejillones e uma perdiz escabechada, com pao e vinho tinto (PradoRey Roble 2008, um Denominaçao de Origem Controlada da Ribera del Duero (em Portugal é o nosso conhecido Douro, que produz bons vinhos dos dois lados da fronteira). A conta é salgada (36 euros com gorjeta), mas vale a pena. Mas a verdade é que o menu del peregrino custaria um terço disso e seria também satisfatório. E esta é outra liçao do Caminho: para comer bem basta acertar a mao em um bom menu do peregrino, e deixar que cada lugar faça sua própria escolha. Os menus sao as coisas de cada lugar e essa gastronomia do Caminho está cada vez mais importante também.
Agora estou no albergue esperando meus amigos e deles vou tendo notícias. Sei que agora estao a uma hora daqui.
Vou esperá-los para dar-lhes boas vindas, ajudar na acolhida depois desta dura etapa e sair para visitar a catedral, que é sempre muito impressionante, pelo seu belíssimo gótico de Juan de Colonia e seu filho Simon. Ela é do Século XIII, quase trezentos anos antes do descobrimento do Brasil.
Aqui é a terra de Rodrigo Diaz de Vivar, que nós conhecemos mais como Cid, El Campeador.
É uma das maiores cidades do Caminho. E das mais encantadoras, pois estreitamente vinculada a ele.

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