Notícias do Caminho de Santiago - de Ruestas a Izco

Acordei mais cedo que o normal neste 18 de abril de 2010, um domingo que aqui é atemporal.

Para os Applemaníacos: o IPhone pode ser o melhor amigo de um peregrino. Serve para tudo, inclusive para telefonar. Graças a ele foi fácil reprogramar as etapas.

O café da manha estava na cozinha, como prometido. Basicamente, sanduíche e suco.

Alongo e saio ainda no escuro, com a lanterna me ajudando a encontrar as setas. Baixo pelo camping e logo ultrapasso um riacho que vai para a represa mais adiante.

De Ruesta até Undués de Lerda é um estirao de pouco mais de 11 km. Por volta de 8:20 h chego a um dos altos mais difíceis desta etapa. A paisagem paga o preço, que nao é tao alto assim. Pouco antes de Undués de Lerda, em uma baixada, topo com uns metros milagrosamente intactos de uma via (calzada) romana, que faz inveja aos nossos modernos empreiteiros (afinal, quantas das nossas rodovias sobreviverao mais de mil anos?).
Em Undués me oriento em mais um detalhado cartaz, semelhante ao que venho encontrando desde Somport. Esta parte do Caminho integra o Gran Recurrido (GR) e em alguns pontos há enlaces para Pequeños Recurridos, que formam o intrincado sistema de trilhas europeus. Neste trecho o Caminho é parte do grande circuito europeu que começa nos bosques da Boêmia, na República Chega, e terminam no Atlântico. Sábado e domingo é dia de encontrar ciclistas no Caminho. Um pouco depois chego ao limite com Navarra, que dá as boas vindas com um cartaz, um marco e as setas amarelas sobre fundo azul, além dos marcos com uma concha estilizada em azulejo e uma seta embaixo. A mesma seta que recebe os que fazem a Rota Francesa.
Perto de meio-dia chego a Sangüesa, que no domingo está mais ou menos parada. Tomo café e compro um pao na primeira cafeteria que encontro, depois de alongar. A cidade é encantadora e nao consigo dela sair no horário programado. Aqui sobrou um pedaço da porta romana. No bem cuidado centro histórico há algum movimento, com crianças e pessoas de idade frequentando as poucas coisas que estao abertas. Compro créditos para o celular Movistar e um sabonete líquido. Tento falar com meus amigos de Belém que estao na Rota Francesa e nao consigo. Mando uma mensagem e com muito esforço desgrudo da cidade, transpondo o Rio Irati por uma ponte metálica e caminhando em direçao a Rocaforte, uma aldeia encarapitada no topo de uma rocha em frente a uma malcheirosa papeleira. Logo depois encontro uma fonte que teria sido construída por Sao Francisco quando passou aqui e fundou o primeiro convento em Espanha.
Começam a aparecer os primeiros vinhedos, onde já se notam os primeiros brotos nas parreiras. Os trigais se sucedem. Topo com um bebedouro para animais - Fuente La Padul - uma tradiçao muito antiga do Caminho, e nele mergulho as maos para reduzir o inchaço. Estou caminhando sem cajado, pois quero receber um de Pablito de Las Varas, em Ázqueta, e por isso as maos estao inchando mais que o normal. Me perco e me reencontro, passo por baixo da rodovia e inicio a subida ao Alto de Aibar. Encontro mais uma fila de lagartas, maior ainda que as outras. O caminho agora passa por um pinhal imenso e, distraído, me perco. Ao perceber que estou perdido, quase no topo da montanha, quando já dava para ouvir o zumbido das turbinas eólicas, a sensaçao de perigo descarrega adrenalina e os passos de volta sao rápidos até reencontrar a seta perdida. No Caminho e na vida é assim mesmo: perdido, volte sempre a última seta e reencontre o Caminho.
Neste trecho o Caminho está mal sinalizado e pensei que outra vez estava perdido. Voltei, agora só para confirmar que estava no rumo certo. Agora caminho com o guia na mao, mas os sinais sao equivocos, pois foram feitas modificaçoes recentes pelo fazendeiro que cria vacas por aqui e ainda nao está sinalizado. Cansado, chego ao Alto e inicio a descida, sabendo que meu destino está na metade da encosta. O rugir da rodovia diz que estou no rumo certo e assim consigo chegar ao Alto de Loiti, a poucos quilômetros de Izco, que avisto à distância, aliviado, pois ainda é dia.
Encontrei outra fila de lagartas, de quase um metro. Felizmente, nao machuquei mais nenhuma delas.
Finalmente, chego a Izco e procuro pelo albergue. Encontro, mas está fechado. A dona só vai abrir a partir de segunda-feira. Havia no local uma reuniao de famílias, pais, filhos e netos. Hospitaleiros, tentam me ajudar, ligando para a hospitalera, que está para Pamplona. Um casal que vai para Pamplona se oferece para me levar a Monreal. Aceito e viajo com Raúl e Suzana e seu filhinho. Eles me deixam ao lado da Igreja de Monreal.
O albergue de Monreal tem um cartaz dizendo para empurrar a porta. Havia ligado para a hospitalera e confirmado que havia lugar. Havia uma mochila e na saída encontrei seu dono, um alemao - Fritz, por supuesto - que saíra para comprar o lanche na tienda. Um bilhede de um peregrino agradecido recomendava o Menu do Peregrino do Centro Paroquial. La encontro a hospitalera, que me serve um Aquarius e diz que posso tomar conta do pedaço. Prometo voltar em seguida para pagar e carimbar a credencial, o que faço depois de zanzar pela cidade em busta da tienda, onde compro provisoes (bananas, polvo a galega em conserva, pao, salsichao, suco de laranja e água) para o jantar, para o café da manha e para levar, pois no dia seguinte terei que regressar a Izco e caminhar mais 40 km até Puente La Reina. De volta ao Centro Paroquial - na verdade um bar muito animado naquele domingo - pago o albergue e pego o carimbo. Tomo banho, janto, preparo o desdejum do dia seguinte e cuido dos pés. Combino por telefone com Jorge, o taxista de Pamplona, para me apanhar 6:30 h e me levar de volta a Izco.
E começo a me preocupar com a falta de notícias dos amigos que estao na Rota Francesa. Ligo para os albergues de Zubiri e Pamplona e nao consigo falar. Pelo celular também nao.
Vou dormir com essa preocupaçao.

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