O Caruço
O “Grande Caruso” de Tucuman
Octavio Pessôa Ferreira*
Fato ou boato, a notícia rapidamente corria quando se comentava com o Lioca, o verdadeiro leva-e-traz da cidade. Um repórter amador e atrapalhado. Magro e desengonçado, testa larga e cílios espessos, barba sempre por fazer, arriava os ombros e projetava o queixo comprido na direção do interlocutor e piscava os olhos, enquanto recebia a informação. Se notícia longa, sugava de forma estrepitosa a saliva. Ansiedade para repassar o fato, provavelmente. E se o causo fosse engraçado, dava uma risada chorosa que mais parecia o relincho. Com certeza, tinha alguns parafusos a menos.
A informação já saía truncada pro primeiro receptor. Pro último, nada mais se aproveitava. Mas o Lioca percorria a cidade toda dando e recebendo informações que, de vez em quando se misturavam, aí a situação ficava trágica. O Tratado de Tordesilhas podia virar o tarado atrás das ilhas ou a grande obra do mestre Picasso se tornava a grande pica de aço do mestre de obras. E por aí, a coisa ia.
Na missa das seis, padre Sílvio alertou os fiéis que, se o peixe ficasse muito caro na Sexta-Feira Santa, estavam todos autorizados pelo bispo a comerem carne e outras comidas regionais, como tucuman com farinha. Lá no seu banco, o Lioca deu a primeira piscada. Grande matéria para um dia que estava apenas começando.
Ao final da homilia, o sacerdote anunciou que, dentro da programação cultural do auditório do Colégio Nossa Senhora do Carmo, naquele fim de semana, a atração seria o filme “O Grande Caruso”. Pronto. Os neurônios do Lioca entraram em curto circuito. Começou a salivação que quase o impede de comungar.
Enrico Caruso, imortal tenor italiano (1873/1921), o agudo mais potente já conhecido e certamente, o melhor cantor de ópera de todos os tempos. Interpretou Canio, da ópera I Pagliacci, de Leoncavallo e, Radamés em Aida, de Giuseppe Verdi. No filme, foi interpretado por Mario Lanza, que teve reconhecimento de crítica e público, em sua incrível e curta carreira como ator e astro de ópera.
A primeira vítima, aliás, o primeiro receptor das notícias fresquinhas foi o Araújão. Comerciante das imediações da paróquia, irreverente às coisas da Igreja. Ao contrário de Santa, sua esposa, que era barata de sacristia.
- Seu Araújo, vai passar um firme muito bão, aí no Colégio.
- É Lioca?
- É. Num vô num vim nem que chuva canivete. Vu trazê a mamãe Salu, tombém.
- É mesmo?- Araújão meio aborrecido, por desconcentrá-lo da leitura da revista do Círculo Esotérico. Por educação, prosseguiu o papo – Qual é o filme, Lioca?
- É... é...é...- franziu a testa, piscou os olhos e depois de uma forte sugada na saliva que já lhe enchia a boca, sapecou:- é subre um caruço purrudão. Um grande caruço de tucuman.
* Jornalista, advogado e auditor federal de controle externo.
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