Ai de ti, Belém! (4)

Os problemas de Belém - falência financeira e econômica e descumprimento do princípio da legalidade - tratados nos ensaios anteriores, são mais palpáveis, visíveis e sensíveis, para quem tenha olhos para ver. Afinal, eles dizem respeito à cidade material.
Outros há não tão visíveis ou sensíveis assim. Esse é o caso dos problemas relacionados ao ethos urbano de Belém. Para além da cidade material, há também uma outra cidade, imaterial. A alma da cidade. Cada cidade tem a sua, que a define tanto quanto o sítio urbano, notadamente o seu centro histórico.
Desse ethos urbano de Belém quero aqui destacar duas características que valorizamos muito, mas que agora percebo como mais um dos problemas que temos a resolver, se quisermos superar pelo menos alguns deles.
Refiro-me à nostalgia e à esperança. Talvez nossa mestiçagem luso-brasileira faça-nos sobrevalorizar uma e outra. Nada Itálicode errado há nisso, em princípio. Mas uma e outra não nos ajudam a encontrar a felicidade. E quem explica bem isso é André Comte-Sponville (A Felicidade, Desesperadamente). A felicidade não pode estar em um passado, que não mais existe, nem tampouco em um futuro, que ainda será (e será mesmo?). A felicidade tem que ser aqui e agora. Essa é a lição de Sponville que, penso, aplica-se tanto às pessoas como às cidades, elas também seres vivos e portadoras de um ethos, um ethos urbano.
Impossibilitada de ser feliz aqui e agora, Belém refugia-se na nostalgia de um passado áureo - o da borracha ou o pombalino - e na esperança de um futuro que não sabe bem qual é, mas que bem poderia ser parecido com esse passado áureo devidamente atualizado. Jano bifronte, a cidade aprendeu a viver um cotidiano infeliz embalada pela nostalgia do já teve e pela esperança do ainda terá.
Não se pode pretender revogar a nostalgia e a esperança, mas é lícito demonstrar o quanto uma e outra, que tanto amamos, também prejudicam a cidade e seus cidadãos, sempre dispostos a verter lágrimas pelo que a cidade perdeu e abrir sorrisos pelo que promete um dia ter, e assim adia sempre a felicidade que poderia ter aqui e agora.
De minha parte, por mais herético que isso possa parecer, prefiro agora abrir mão da nostalgia e da esperança para que possamos ter uma cidade feliz, aqui e agora.
Como talvez dissesse Sponville, se aqui morasse, uma feliz cidade, desesperadamente.

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