Notícias do Rio Amazonas

9 de dezembro de 2009, quarta-feira.
Acordo cedo e tomo o mototáxi indicado pelo Cumaceba. Chego no porto de Huequitos na hora marcada, passando pelo mercado que já está agitado.
Dispenso carregadores, na maioria crianças.
A Polícia Nacional revista minha maleta asim assim, para cumprir tabela.
Aboleto-me no lugar livremente escolhido na lancha rápida, a Golfinho IV, assim mesmo, em português e romanos.
As demais formalidades policiais atrasam bastante a partida. Uma chuvinha refresca o ambiente. A tripulação não usa uniformes. O piloto faz alertas mais ou menos como as aeromoças, com ênfase para a proibição de fumar, porque estamos sentados sobre o combustível. Sem meias palavras diz que um mau jeito explodiria a lancha. Acho que convenceu.
Passamos frente ao porto, à refinaria e aos navios ao largo, ingressando no Amazonas. Logo deixamos para trás a entrada do Cumaceba e passamos em frente ao posto da polícia antidrogas, em Santa Teresa.
O Amazonas aqui é coalhado de troncos e galhos. O piloto faz malabarismos nesta lancha, impulsionada por dois poderosos motores na popa, que empinam a proa e deixam um rastro de água jorrando na popa. De vez em quando uma galhada maior é atingida. O casco de duralumínio resiste bem. Ninguém é avisado onde estão os coletes salva-vidas.
Se nos Andes domina a verticalidade, aqui o domínio é da horizontalidade. Calma e quase hipnótica. O ruído dos motores e da água produzem esse efeito hipnótico. O rio é largo e não é possível saber se navegamos no curso principal ou em algum braço. Aqui e acolá aparece uma barra que não dá para saber se é um afluente ou um braço. As casas são quase sempre cobertas de palha ou de zinco. Aliás, em Iquitos tem casas cobertas com telhas metálicas que parecem ter um século ou mais.
Lavouras de macacheira e banana se sucedem monotonamente. As embaubeiras (Cecropias) predominam em ambas as margens. Com três horas de viagem passamos por Pevas, onde fica um antigo distrito do Exército peruano (Pijuayl), que também tem forte presença em Iquitos.
Mais duas horas de navegação, sem alteração substancial de paisagem, passamos por San Pablo de Loreto. A tripulação serve o almoço, em quentinhas. Arroz, banana cozida, uma surrealista passa bem no centro do arroz e uma costeleta de... paca! Isso mesmo, paca. Com a maior naturalidade do mundo se come carne de caça em Iquitos. Ali estava a pele, a gordura, a carne e as costelinhas de uma deliciosíssima paca, guisada com simplicidade e, por isso mesmo, com o gosto dela própria, sem as frescuras dos restaurantes chiques de Iquitos. Para ser sincero, esta quentinha é infinitamente melhor que as melhores comidas de avião, assinadas por renomados chefes de cozinha (embora eu duvide muito de que chefes renomados se prestem mesmo para isso).
Uma hora depois estamos em Chimbote, onde passamos por um frouxo controle da polícia antidrogas. Logo depois das 13 horas passamos por Puerto Brasil.
Por volta de 14 horas estamos em Caballococha e assim fico sabendo que estamos perto de Santa Rosa. Meia hora depois a lancha pára para abastecer em pleno Amazonas, ficando a deriva. A tripulação usa uma mangueira como sifão.
Mais ou menos às 15:30 horas avistamos as três cidades e em uma curva brusca chegamos a Santa Rosa. Descemos em um porto precário. Sou abordado por carregadores e dois peruanos falando portunhol. Oferecem hospedagem em Tabatinga e passagens para Manaus. Dispenso-os e carrego minha estranha bagagem até a Imigração, que nos manda primeiro à Polícia Nacional. Ando por cima de tábuas em meio a um lamaçal. Volto à Imigração. Os dois peruanos continuam oferecendo seus serviços e um deles me indica um barqueiro para fazer a travessia até Tabatinga. No caminho apanha mais um passageiro em um posto flutuante. Chego à Tabatinga, que o peruano diz ser separada de Letícia por uma ponte amarela que me aponta. Pago dez soles para o barqueiro (cinco vezes mais que pagaria para um mototaxista em Iquitos). Procuro um táxi e quase estranho tê-lo encontrado sob a forma de automóvel. Peço para levar-me ao hotel do mesmo dono da lancha, na Rua Marechal Mallet e, no caminho,à agência para comprar a passagem no barco rápido para Manaus, o Puma, que está chegando ao porto e volta para Manaus na sexta-feira (350 reais, três vezes e meia o custo de uma passagem aérea para Bogotá). Arrumo-me na Hospedage Brasil e saio em seguida para fazer um reconhecimento, sacar dinheiro no Banco do Brasil (para terminar de pagar a passagem para Manaus) e procurar um restaurante para jantar. Escolho o Blue Moon, na Avenida da Amizada, a avenida com calçadão que une Tabatinga a Letícia.
Peço uma caldeirada de tucunaré. Vem meio tucunaré, meio quilo só de peixe, calculo. Dois litros de caldo, mais ou menos. Estou de volta à Amazônia brasileira.
Caminho em seguida ao longo da Avenida da Amizade, cruzando pessoas de classe média que caminham com suas roupas de ginásticas. Aqui é o equivalente ao calçadão de Copacabana. Na calçada colombianas vendem arepas. Um pouco mais adiante barracas são preparadas para venda de refeições populares, inclusive galinha caipira. Em uma esquina, deve estar a mais barulhenta de todas. Esta avenida tem de tudo. As ruas tem nomes de militares, revelando a forte presença do Exército brasileiro. As escolas estão bem cuidadas pelo Governo do Amazonas (aqui a SEDUC e de educação e qualidade do ensino). Adolescentes estão vestidos com uniformes distribuídos pela Secretaria. A Justiça do Trabalho, o Ministério Público Federal, o clube dos militares, as instalações militares e, finalmente, o aeroporto, ficam nesta avenida. A zona de livre comércio também. Mas não dá mostras de muito êxito.
De volta para a hospedage, caminho pela Rua Marechal Mallet, com uma incrível concentração de sapatarias. Passo na sorveteria bem do lado para tomar um sorvete. De copoazu. O troco vem em pesos colombianos. Estranho e peço para trocar por reais. Mas a verdade é que como um real vale mil pesos colombianos essa é uma operação muito comum, sobretudo com moedas divisionárias de pequeno valor.
Aqui tudo é muito misturado. As comidas, as falas, as pessoas, as cidades.
Estou no Brasil, mas com um pé na Colômbia. Um e outra, Amazônia, de qualquer modo, em qualquer língua.

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