Notícias de Iquitos

Depois de mais ou menos uma hora e meia de voo sobre os Andes, estou em Iquitos, na Selva Baja peruana.
A cidade está coberta de nuvens.
No aeroporto carcaças de um jato e helicópteros de idades variadas constrastam com o Airbus da LanPeru (os chilenos estao dominando o Peru, agora comercialmente).
O bafo das dez horas da manha nao deixa dúvidas: estou de volta a Amazônia.
O aeroporto está em reforma. É uma rodoviária melhorada. Junto da esteira de bagagens enfileiram-se carregadores e boxes dos lodges e hotéis. Aqui é a porta de entrada da Amazônia peruana, pelo Norte.
Na saída os passageiros sao disputados por mototaxistas, taxistas e jovens carregadores.
Christian, do Cumacebo Lodge, me leva a agência para os acertos iniciais.
No caminho vai explicando a cidade de quinhentos mil habitantes e seis mil mototaxistas. Sao triciclos cobertos fabricados pela Honda, como em outras cidades do Peru. Mas aqui eles formam um mar de mototaxis. Passeie de mototaxi em Iquitos aqui no You Tube.
Três palavras definem Iquitos: calor, umidade e mototaxistas.
Negocio com a agência e encurto minha permanência em dois dias, para garantir a chegada a Belém antes do Natal.
Sigo as indicaçoes do Rough Guide e fico no hostal La Pascana, o bed & breakfast preferido dos mochileiros. Um quarto rústico com ventilador e banheiro, dá para um pátio interno. Na recepçao, um coffee shop e um cybercafé onde se encontra gente do mundo inteiro.
Me apresso em garantir a passagem no barco rápido para Santa Rosa/Tabatinga, pois amanha vou para o Cumacebo Lodge e volto só terça-feira de tarde, véspera da viagem de barco.
Iquitos é cheia de contrastes. Aa lado de uma casa com teto metálico centenário e de outra com azulejos europeus, encontramos prédios modernosos. Um deles é um cortiço desabitado de uns seis andares onde se concentram as antenas de rádio, TV e celular. Uma coisa horrorosa, a poucos metros da Plaza de Armas. Nesta fica o hotel cinco estrelas daqui, o Dorado Plaza.
Na Plaza de Armas está a síntese desta cidade: uma casa de dois pisos toda de ferro, projetada e construída por Gustave Eiffel para uma das exposiçoes universais de Paris do final do Século XIX. Um dos baroes da borracha, em plena bonanza cauchera, comprou-a, desmontou-a, transportou-a e remontou-a aqui no centro de Iquitos. A agência do Cumacebo Lodge fica no térreo. No segundo piso fica um restaurante que agora se chama Amazon Café. É nele que vou almoçar. Peço bisteca de veado. O garçon volta dizendo que está em falta e sugere uma meia porçao do piqueo regional. Topo a parada e enquanto espero tomo uma cerveja Pilsen Callao (a Cusquena é melhor) e fico apreciando o movimento da Plaza de Armas. Esta deve ser a esquina mais barulhenta de Iquitos. Para agravar, de um aparelho de som jorra tecnocumbia. Quando o sinal abre, dezenas de mototaxis arrancam. Enquanto estive aqui - quase duas horas - vi passar um microonibus com turistas e uns dois ou três automóveis.
Chega o tal do piqueo: é uma bandeja de aço inoxidável de uns trinta centímetros de diâmetro com salada mista (nao pode faltar palta, o abacate), lagarto (jacaré) e frango empanado, cecina (carne de porco salgada), linguiça, tostones (banana amassada frita, a punetazos como se diz em Cuba), uma espécie de croquete de banana, banana frita propriamente dita, yuca (macacheira) frita e um vinagrete de limao levemente picante. Deixo o jacaré para o final, pois tenho que ficar escolhendo para distinguir do frango. Sinceramente, jacaré nao é a melhor carne do mundo. Peço uma Inka Kola para tirar o sal e amenizar o calor. No final, sem que eu peça, o que sobrou do imenso prato me é entregue em uma quentinha, que fez a alegria de um mendigo duas quadras mais adiante. A conta saiu por uns 35 reais.
Observo a casa. Está toda no original. Paulo Chaves transformaria isso aqui em alguma coisa muito melhor que este decadente restaurante. Mas ela é mesmo a síntese da decadência amazônica, que teve seu apogeu durante a bonanza cauchera. Depois disso, nunca mais a Amazônia se reencontrou. Nostalgia e esperança sao, agora compreendo, a desgraça das cidades amazônicas desamparadas pela crise que se seguiu à época áurea da borracha. Enquanto nos aferramos a um passado que nao voltará jamais, esperamos por um futuro incerto e deixamos de construir o presente que queremos e precisamos. Perdemos rumo e vontade de fazer acontecer. Apesar de nossa capacidade instalada - universidades e intelectuais em tese mais preparados que os de cem anos atrás - somos incapazes de reencontrar nosso rumo. É a sensaçao que tenho nesta Iquitos quente, úmida, barulhenta e cheia de contrastes.
Enquanto almoçava caiu uma chuva rápida, igualzinha as nossas. Insuficiente para aplacar o calor. Uma leve brisa é percebida nas folhas das árvores, e só.
Desço e caminho lentamente de volta para o hostal. No caminho topo com um palanque armado no malecón. É a Teletón daqui. Uma senhora canta esganiçado e nao arranca um mísero aplauso. Passo pelas lojinhas de artesanato indígena ou de inspiraçao indígena. Nao encontro referências andinas.
Aqui é outro Peru.

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