Notícias do Caminho - de Santo Domingo de La Calzada a Belorado

A segunda-feira, 26 de abril de 2010, amanhece em Santo Domingo de La Calzada com cara de domingo.
O albergue novo - tinindo de novo, diriam os antigos - vai se agitando e logo mochilas estao prontas. Na cozinha multinacional todos compartilham o café da manha com o que foi comprado na véspera ou nas máquinas. As máquinas vendem tudo.
Pouco depois das sete ponho o pé no Caminho, marcando encontro com meus amigos em Belorado.
Atravesso Santo Domingo de La Calçada pela mesma rua empedrada que o Santo traçou e milhares de peregrino palmilharam. A batida cadenciada dos cajados tem efeito quase hipnótico. Atravesso a ponte construída pelo Santo, que merecidamente é o padroeiro dos engenheiros. Metade dela foi feita por ele, outra metade por engenheiros modernos. A ermida é mais nova. A primitiva enchentes levaram.
Os vinhedos da Rioja vao sendo pouco a pouco substituídos pelos trigais. As gotas de orvalho na ponta das folhas do verde trigo acompanham minha sombra. A belìssima paisagem da manha muda a cada passo. Caminhar subverte a lógica do homem automobilizado. O homem de quatro rodas precisa parar para ver uma paisagem linda como esta. Um caminhante, um peregrino, caminha contemplando uma paisagem mutante, mutante a cada passo. A sombra encurta devagarinho. No céu azul avioes deixam rastros brancos.
Antes das nove da manha passo por Grañon e como as padarias ainda nao estao abertas passo direto, sem oportunidade de experimentar os bollos de Grañón (tortas de manteiga), madalenas e españolas (umas bolachinhas típicas do lugar).
Mais ou menos nove e meia da manha, em um alto, um imenso painel marca a divisa de Rioja. Agora vou ingressar em terras de Castilla y Leon. Um passo e estou nos domínios de Burgos, deixando Rioja e seus vinhos para trás. Minutos depois estou em Redecilla del Camino. Agora todas as cidadezinhas tem um mapa na entrada e uma área de acolhimento, com fontes e bancos. Os bares já estao abertos, mas resolvo continuar caminhando. A paisagem continua deslumbrante. Trigais verdes a perder de vista e, de repente, no meio deles, desponta a torre de uma igreja e o casario de um burgo medieval, que despertou da letargia graças ao Caminho e aos peregrinos. Hoje avisto de quinze a vinte peregrinos em cada olhada para diante a para trás. Alguns já identifico à distância.
Logo estou em Castildelgado e algum tempo depois entro em Viloria de Rioja, berço de Santo Domingo de La Calzada. O lugar está sendo revitalizado graças aos esforços de um brasileiro, Acácio - de família paraense, Castro Mota - e de uma italiana, sua esposa Orietta. É cedo, mas faço tilintar a campainha e ele, pessoalmente, vem me receber. Gentilmente diz que o albergue ainda está fechado, mas em seguida, ao saber que sou brasileiro, acolhe-me com um generoso abraço. Enquanto eu alongo vamos conversando. Ele lembra de Guy Veloso, o fotógrafo paraense (filho de Zeno Veloso) que participou de uma exposiçao fotografica recentemente sobre o Caminho, em Sao Paulo. Ele me diz que a casa onde agora vive tem 250 anos. O telhado foi refeito ano passado. Um bom investimento. Orietta aparece e logo se despede, pois tem que ir de carro cuidar de seus afazeres. Despeço-me de Acacio com um forte abraço e continuo rumo a Villamayor del Rio, onde chego por volta de onze e meia.
Por volta do meio-dia estou nos arredores de Belorado. O Caminho deu um sopro de vida a Belorado. Na entrada, um hotel, albergue e restauranta dá as boas-vindas com suas bandeiras de diversos países.
Logo estou na frente do albergue paroquial. No campanário da Igreja as mesmas cegonhas de três anos atrás já estao com os ninhos prontos e em plena atividade. A cidade está em obras e o Caminho está cheio de desvios. O alberque Cuatro Cantones ainda está fechado e vou para a Plaza Mayor aguardar que ele abra. Hoje é dia de feira na Plaza Mayor. Espero o restaurante Bulevar abrir. Já conheço de 2007. No bar sou atendido por uma portuguesa. O menu do peregrino é alubias con chorizo, lomo adobado con pimientos y patatas, pao, vinho (Robledo, fraquinho, com rolha reaproveitada de um Rioja com Denominaçao de Origen Calificada) e arroz con leche. De bom mesmo, só as alubias e o arroz con leche. Onze euros com a gorjeta. Nao vale e nao recomendo.
Volto para o albergue onde tenho a alegria de encontrar Alexandre Bitar, um peregrino brasileiro que fez uma lista dos peregrinos para o grupo do Yahoo (Caminho de Santiago). Ele está encangalhado com dois portugueses que seguem uma planilha feita pelo Manoel Brasília e caminham com boa velocidade. Ele está acompanhando o blog, pela lista.
Dou uma voltinha pela cidade, que está em plena siesta (no Caminho tem disso). Depois das cinco da tarde o comércio reabre. A Plaza Mayor está sendo limpa, agora que a feira terminou.
Volto para o albergue onde acabam de chegar meus amigos.
Bienvenidos.

Comentários

0 disse…
Parabéns pelo blog, ótimas postagens.
Gostei do jogo de palavras ao contar suas experiências. Provavelmente voltarei. Até mais!
JOSE MARIA disse…
Muito obrigado, Raiza.
Vou tentar registrar mais duas etapas hoje.

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