Um Atentado a Memória do País

Este é o título do manifesto da Associação Nacional de História - ANPUH que rechaça Projeto de Lei do Senado que pretende autorizar a incineração de processos judiciais.
Esse tema foi tratado na coluna do Elio Gaspari de hoje. Segundo o jornalista Sarney está arrependido de ter permitido, quando Presidente da República, que passasse um projeto igual a esse que permitiu a incineração de processos judiciais trabalhistas.
Se a França revolucionária tivesse adotado uma lei como essa o processo judicial que resultou na decapitação de Maria Antonieta teria sido incinerado.
Caso  você concorde com os termos do abaixo-assinado transcrito em seguida, por favor, vá lá na página da Associação Nacional de História - ANPUH e assine-o:


Abaixo-Assinado (#6626): UM ATENTADO A MEMÓRIA DO PAÍS - Proposta de Emenda ao artigo 3°:

Destinatário: anpuh@usp.br


UM ATENTADO A MEMÓRIA DO PAÍS

A ANPUH – Associação Nacional de História vem tornar público seu rechaço ao art. 967 do Projeto de Lei do Senado n. 166 que institui o novo Código do Processo Civil (Projeto de Lei nº 166), que foi apresentado em 8 de junho de 2010. Em total desrespeito ao direito de preservação da memória e das regras arquivísticas mais elementares, este artigo do projeto vem reforçar e dar margem a procedimentos que permitem apagar o passado. O texto restaura, na íntegra, o antigo artigo 1.215 do atual Código do Processo Civil, promulgado em 1973, que autorizava a eliminação completa dos autos findos e arquivados há mais de cinco anos, "por incineração, destruição mecânica ou por outro meio adequado". Em 1975, depois de ampla mobilização da comunidade nacional e internacional de historiadores e arquivistas, a vigência desse artigo foi suspensa pela Lei 6.246. Aprovada a atual proposta, estão novamente em risco milhares de processos cíveis: um prejuízo incalculável para a história do país, que já arca com perdas graves na área da Justiça do Trabalho, uma vez que a Lei 7.627, de 1987 (com o mesmo texto do artigo 967), tem autorizado a destruição de milhares de processos trabalhistas arquivados há mais de cinco anos. Além de grave agressão à História, a proposta também fere direitos constitucionais de acesso à informação e de produção de prova jurídica. Apelamos ao Presidente desta casa e aos senhores senadores para que não cometam mais esta agressão contra a história do país. Não é possível escrever a História sem documentação e esta não pode continuar sendo concebida pelo Estado brasileiro e por nossos representantes no Congresso Nacional como um estorvo, como um lixo para o qual se devem definir mecanismos de destruição periódica. Toda documentação tem valor histórico, todo documento interessa ao historiador, a concepção de que existem documentos que são em si mesmo interessantes para a história e outras não é, há muito tempo, uma visão ultrapassada em nossa área de atuação. Não podemos aceitar que fique a cargo de um juiz, que não tem formação na área de arquivística ou da historiografia, definir se um documento merece ser arquivado ou não, tem valor histórico ou não. Conclamamos a todas as instituições que se interessam pela defesa da memória do país que façam coro a este nosso protesto, para que este artigo possa ser retirado do corpo do projeto do novo Código do Processo Civil.

Eis o texto do projeto de lei que está tramitando no Senado: 

Art. 967. Os autos poderão ser eliminados por incineração, destruição mecânica ou por outro meio adequado, findo o prazo de cinco anos, contado da data do arquivamento, publicando-se previamente no órgão oficial e em jornal local, onde houver, aviso aos interessados, com o prazo de um mês. 

§ 1º As partes e os interessados podem requerer, às suas expensas, o desentranhamento dos documentos que juntaram aos autos ou cópia total ou parcial do feito. 

§ 2º Se, a juízo da autoridade competente, houver nos autos documentos de valor histórico, serão estes recolhidos ao arquivo público.

EMENDA OFERECIDA AO PL 166, DE 2010-07-13
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

A presente proposta de inclusão de dois parágrafos ao artigo 3º e de nova redação ao artigo 967 e seus parágrafos, bem como de um artigo final ao Projeto de Lei nº 166, de 2010, do Senado Federal, que dispõe sobre a reforma do Código de Processo Civil, está fundamentada em dispositivos da Constituição Federal de 1988 que tratam do direito-dever de o Judiciário prestar jurisdição, nele incluído o de preservar documentos, tornando-os acessíveis aos cidadãos brasileiros. A redação proposta busca adequar o dispositivo tanto ao sistema de direitos e garantias fundamentais constitucionais quanto à regra do art. 20 da Lei 8.159/91 e às disposições do Conselho Nacional de Arquivos, CONARQ.

A crescente complexidade das relações sociais e as profundas alterações socioeconômicas que têm sido vivenciadas pela sociedade brasileira, sobretudo nas últimas duas décadas, trouxeram para os cidadãos dificuldades tanto na defesa de seus direitos lesados quanto no recebimento dos valores judicialmente reconhecidos como devidos, importando em obstáculos ao direito constitucional de acesso ao Judiciário. Uma dessas dificuldades localiza-se no processo de eliminação de autos findos que, aliás, antes de 1988, fundamentou a suspensão do artigo 1.215 do Código Civil de 1973 que continha redação similar àquela do artigo 967 e seus parágrafos do Projeto de Lei 166 em questão. Essa suspensão foi antecedida de amplos debates sobre o texto do artigo suspenso e de acirrado protesto por parte de estudiosos, historiadores e entidades culturais.

É dever do Poder Público preservar e facultar o acesso aos documentos sob sua guarda, a fim de ser garantido o acesso ao Judiciário e à proteção do patrimônio público nacional, do qual fazem parte os processos judiciais. Estes contêm dados de valor inestimável e contam a história deste País, os modos e as modas, a dinâmica das relações sociais, elementos que dizem com a própria construção da identidade brasileira. Eliminá-los é eliminar a compreensão de nossa própria história.

Além disso, de forma não menos relevante, contêm documentos que podem servir de prova aos cidadãos, como, entre outras, a do tempo de serviço de trinta e cinco anos para fins de aposentadoria junto ao INSS, vinte e cinco anos de trabalho insalubre, exercício da advocacia para fins de concurso público, prova do preenchimento desse exercício para atender a requisito para concorrer à vaga do “quinto constitucional” nos Tribunais, vínculos de solidariedade no caso das indenizações por danos morais e patrimoniais, inclusive decorrentes de acidente do trabalho, direitos sociais fundamentais imprescritíveis, direitos reivindicados pelas minorias, cuja guarda dos processos, aliás, consta de recomendações internacionais. Essas circunstâncias evidenciam que os cinco anos de que trata o artigo 967 do PL em questão não atende, minimamente, ao dever de preservar e assegurar o direito à prova.

É com base nesses pressupostos que se oferecem as propostas a seguir, incluindo dois parágrafos ao art. 3º, nova redação ao art. 967 e parágrafos e inclusão de um artigo ao final:

Art. 3º.....
§ 1º Os processos judiciais são documentos públicos, cabendo ao Poder Judiciário o dever de assegurar sua guarda, autenticidade e preservação, mesmo depois de findos.
§ 2º O direito de acesso ao Judiciário e à ampla defesa inclui o direito à produção da prova, integrando a preservação dos documentos judiciais o dever de o Estado prestar jurisdição.
[...]
Art. 967. A guarda e preservação de processos judiciais no âmbito do Poder Judiciário devem ser realizadas por meio de sua preservação integral no suporte original em que foram produzidos ou por meios de sua microfilmagem e digitalização.
§1º A seleção do modo de preservação dos processos judiciais deve ser feita mediante avaliação realizada por comissão instituída junto às Administrações dos Tribunais, integrada por profissionais habilitados segundo o Conselho Nacional de Arquivos, CONARQ, respeitada Tabela de Temporalidade que atente para as especificidades das demandas e sua classificação, visando ao cumprimento do poder-dever de prestar jurisdição;
§ 2º Os processos findos que originalmente foram produzidos em papel podem ser substituídos para fins de guarda e preservação por cópias microfilmadas e digitalizadas, desde que essa decisão tenha sido referendada pela comissão a que se refere o parágrafo anterior;
§3º O procedimento de substituição referido no parágrafo anterior somente poderá ser efetivado depois da publicação de editais circunstanciados, com indicação do nome das partes, número do processo e data do ajuizamento, respeitada Tabela de Temporalidade referida no parágrafo primeiro do presente dispositivo;
§ 4º Publicados os editais de eliminação, será aberto prazo de trinta dias aos interessados para que, independentemente da microfilmagem e da digitalização, possam requerer desentranhamento dos originais dos documentos que tenham juntado aos autos, mediante certidão;
§ 5º Os processos de guarda permanente, ainda que microfilmados e digitalizados, serão preservados no meio em que produzidos.
[...]
Art. 971. Revogam-se expressamente as disposições da Lei 7.627, de 10.11.1987, bem com as demais disposições em contrário. 

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