Para Abafar a Fiscalização

Vale a pena dar uma atenção para a transcrição abaixo, pois diz respeito a um assunto que interessa à cidadania e à sanidade das finanças públicas.

Para abafar a fiscalização

Sob pretexto de defender a infraestrutura, grupo faz pressão para impedir o Tribunal de Contas da União de suspender pagamentos e impedir empresas de participarem de obras públicas
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Leonel Rocha
Lúcio Vaz

Criada há dois anos na Câmara dos Deputados, a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Infraestrutura pretende acabar com a atribuição de judiciário que tem hoje o Tribunal de Contas da União. Um seminário da Câmara, na última terça-feira, reuniu a Associação Nacional de Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor), parlamentares de vários partidos, o advogado-geral da União, José Antônio Tófoli, e até um ministro do próprio TCU, Benjamin Zymler, no primeiro ato público para discutir a mudança na lei que determina a suspensão dos pagamentos a empresas que realizam obras públicas com superfaturamento e outras irregularidades.

A frente já conta com mais de de 250 parlamentares que colocam em xeque os poderes do tribunal. No primeiro de uma série de quatro seminários programados, foi apresentado estudo feito pela Aneor que compara as atribuições do órgão de controle e fiscalização brasileiro com instituições equivalentes dos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Nova Zelândia. Concluiu que o TCU é o único com poderes para aplicar penas, decidir pela paralisação de uma obra e suspender contratos assinados entre a União e empreiteiras.

Nos países analisados pela Aneor, os órgãos de controle são vinculados ao Congresso, como no Brasil, e responsáveis por recomendações elaboradas a partir dos resultados das auditorias, mas deixam a responsabilidade aplicação das punições ao Poder Judiciário. “Os órgãos (de controle) simplesmente não têm o poder de punir”, diz o estudo intitulado Perfil institucional comparado e análise do controle externo de obras rodoviárias no Brasil e no exterior. A entidade representante dos empreiteiros do setor rodoviário ressalta que, no exterior, a fiscalização é sempre posterior aos fatos e não tem o poder de punir irregularidades de pessoas físicas ou jurídicas, ou mesmo servidores apontados como responsáveis por irregularidades e crimes na gestão do dinheiro público.

Para a Aneor, o TCU tem atribuições que vão além da fiscalização e controle. “Ele pode fazer fiscalização prévia, interferindo nos processos de licitação, mudando os textos já publicados ou suspendendo concorrências. Além disso, tem o poder de aplicar punição às empresas e de interromper as obras por prazos indeterminados”, diz a conclusão do estudo comparativo. Os empreiteiros ressaltam que o tribunal pode determinar a redução do valor de uma obra já em execução, mesmo que o contrato já esteja assinado. Um poder que não existe nos países analisados. Só essas ações preventivas, com as medidas cautelares que muitos reclamam, trouxeram uma economia de R$ 31,9 bilhões em 2008 ao Estado brasileiro. Se isso não é zelar pelo Estado, pelo emprego dos recursos públicos, se isso não é cumprir a lei, paciência, rebate o presidente do TCU, Ubiratan Aguiar (veja entrevista completa na página 4).

Reclamações
O estudo ressalta que o TCU chega a interromper dezenas de grandes obras por período de até dois anos: “E depois as obras são retomadas sem haver punição ou qualquer problema. Tudo foi esclarecido. Mas quem perdeu foi a sociedade, pois não se inicia uma grande obra se ela não é necessária”, conclui o trabalho elaborado por seis especialistas. Outro aspecto criticado no perfil produzido pela Aneor é o poder do tribunal para aplicar medidas cautelares, como a retenção parcial de pagamentos de obras suspeitas de superfaturamento. Os empresários reclamam da paralisação de várias obras por superposição de atribuições na estrutura de fiscalização do Estado.

Para este ano o grupo tem como principal bandeira transferir para a comissão de Orçamento do Congresso o poder de fechar o cofre público quando forem encontradas ilegalidades na execução do orçamento da União. Se a ideia virar lei, o mesmo parlamentar que conseguir aprovar uma emenda para construir estradas no seu Estado também irá decidir se há superfaturamento ou vícios na contratação e execução do serviço. No ano passado o tribunal bloqueou o repasse de R$ 2,8 bilhões para obras públicas aonde as auditorias constataram sobrepreço. A maior retenção foi para a conclusão da a Ferrovia Norte-Sul, com R$ 500 milhões.

O presidente da Frente Parlamentar, deputado José Germano (PP-RS), propõe que o TCU brasileiro continue realizando o mesmo trabalho. Mas que a decisão de embargar obras ou suspender repasses de pagamentos do governo seja transferida à Comissão Mista de Orçamento do Congresso. Ele lembra que, em alguns anos, a Comissão de Orçamento chegou a aumentar em um terço o número de obras embargadas pelo tribunal. “O tribunal deve continuar exercendo o seu papel de fiscalizador do cumprimento do orçamento da União. Mas a decisão de embargar obras e suspender repasses deve ser do Congresso”, argumentou o deputado.

O advogado-geral da União, José Antônio Tófoli, que participou do primeiro debate sobre os poderes do TCU na Câmara na semana passada, não vê problemas nos poderes cautelares do TCU. Segundo ele, o tribunal atua de acordo com a Constituição e não pode ser criticado por isso. Mas propõe um sistema mais rápido para a análise de obras federais em andamento para evitar a elevação do custo do próprio empreendimento. “Hoje não dá para esperar anos pela resolução dos conflitos. Precisamos de um sistema mais ágil e eficiente para analisar os editais e a execução das obras”, argumenta Tófoli. Ele critica, por exemplo, a inflexibilidade da Lei das Licitações, que limita em 25% o aditamento contratual que pode não servir para qualquer tipo de obra pública. Um segundo debate está programado pela Frente Parlamentar para o fim deste mês com o intuito de sensibilizar o Legislativo para alterar a lei.



Entrevista // Ubiratan Aguiar


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“Controlar incomoda”

Presidente do TCU defende poder de fiscalização e garante que medidas da Corte resultaram em economia de R$ 31,9 bi

Lúcio Vaz
Paulo H. Carvalho/CB/D.A Press

Ministro alega que tribunal age dentro de suas atribuições



O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Ubiratan Aguiar, tem uma certeza: a sociedade brasileira quer controle rígido dos gastos públicos. Ele contesta as críticas da Associação de Empresas Construtoras de Obras Rodoviárias (Aneor), afirma que o tribunal apenas cumpre a lei e avisa: “Controlar incomoda. E vamos continuar incomodando”. Ele defendeu a necessidade da ação preventiva, argumentando que tentar reaver recursos após 15 ou 20 anos de julgamento, é o mesmo que “não querer punir aqueles que desviam recursos públicos, que superfaturam, que praticam toda sorte de irregularidade”. Aguiar afirmou em entrevista ao Correio não temer que o tribunal perca poderes: “Quem deve temer é a sociedade, nós não”.

A Aneor afirma, a partir de um estudo comparativo com outros países, que o TCU tem poder demais porque pode aplicar penas às empresas e a servidores. Como o senhor analisa essa afirmação?
São culturas diversas, legislação totalmente diversas. O TCU não tem subordinação a nenhum dos poderes, mas intervém em todos eles e tem o dever de auxiliar o Legislativo. Mas nós não apenamos, porque mandamos todas as nossas decisões ao Ministério Público, para promover as ações penais e civil, e para a Advocacia-Geral da União, para reaver o que foi desviado. Agora, as nossas decisões apontam irregularidades, os débitos e as multas. E tudo fazemos seguindo a Constituição, que nos deu essas competências. Qualquer um pode discordar do voto, mas não dizer que o voto está contra a lei. Nós fazemos o que diz a lei. Agora, controlar incomoda. E vamos continuar incomodando.

O estudo da Aneor critica a ação preventiva do TCU.
Só essas ações preventivas, como as medidas cautelares que muitos reclamam, trouxeram uma economia de R$ 31,9 bilhões em 2008 ao Estado brasileiro. Se isso não é zelar pelo Estado, pelo emprego dos recursos públicos, se isso não é cumprir a lei, paciência. Então, que se mude a lei e digam que o tribunal não tem que fiscalizar. Será que é isso o que a sociedade quer? Será que é isso que os gestores sérios querem? Não acredito. Não acredito que nenhuma ideia possa prosperar para apequenar a competência de quem zela pela coisa pública.

A Aneor afirma que, nos outros países, a auditoria é feita após a conclusão da obra. No Brasil, o tribunal age previamente e tem competência até para suspender uma licitação. Como o senhor vê essa posição?
Se você julgar depois do fato acontecido, para reaver isso após, 10, 15, 20 anos de julgamentos, é não querer fazer cumprir a lei, é não querer punir aqueles que desviam recursos públicos, que superfaturam, que praticam toda sorte de irregularidades que são detectadas previamente. Deve-se evitar que o contrato seja assinado se o sobrepreço já está caracterizado? Um órgão de controle deve deixar de advertir o Congresso que tal fato aconteceu? Deve-se permitir que uma obra continue quando está caracterizado o conluio? Acho que o Brasil está trilhando o caminho da seriedade. E isso deve ser o que todos os homens de bem do país querem.

Os empreiteiros afirmam que estaria havendo exagero na paralisação de obras. Há esse exagero?
Não vejo exagero. Vejo lentidão em querer se tomar uma atitude. Em algumas obras de aeroportos, há anos vinha se dizendo que havia irregularidades. Depois de três anos, verificaram que o tribunal tinha razão e foram fazer novas licitações. Se fizessem há três anos, as obras já estariam concluídas. As paralisações decorrem da relutância no cumprimento das decisões do tribunal.

O senhor teme que essa articulação possa resultar na perda de poder do tribunal?
Quem deve temer é a sociedade, nós não. Somos servidores públicos, cumpridores do nosso dever. Se a lei tiver que ser modificada, não será aqui, mas no Congresso.


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Lentidão é o problema

O TCU tem realmente poder para suspender uma obra suspeita de irregularidade, mas não por apenas um ou dois anos. Levantamento feito pelo Correio em 2007 mostrou que pelo menos 11 empreendimentos estavam parados havia seis anos. O motivo é: por recomendação do tribunal e decisão do Congresso, todas as obras com indícios de irregularidades graves deixam de receber recursos da União. Sem dinheiro, elas param, até que sejam sanados problemas de superfaturamento, sobrepreço, falhas na licitação, no projeto, no licenciamento.

A fiscalização prévia, apontada pelos construtores como exagero, é na verdade estratégia de ação do TCU. O tribunal percebeu que era muito mais difícil apurar uma irregularidade depois de a obra ser concluída.

Depois de concluídos, os condenados ainda podem recorrer à Justiça, o que atrasa a decisão final por mais cinco ou dez anos. Levantamentdo Correio em 8 mil processos mostra que 174 foram concluídos em mais de 10 anos. Um deles demorou 19 anos.O presidente do TCU, Ubiratan Aguiar, lembra que, no ano passado, a ação do órgão gerou benefício de R$ 31,9 bilhões. As fiscalizações na área de energia teriam contribuído com mais de R$ 11 bilhões nesse resultado. (LR e LV)


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