A Rota da Estrada de Ferro: de Bragança a Mirasselvas
Na segunda etapa do Caminho, saí de Bragança - do exato local onde era a Estação - rumo a Mirasselvas (esse é um dos mais belos topônimos da Estrada).
Saí cedinho pela grande curva que o trem fazia, hoje Rua do Trilho. Uma avenida corta o passo. Daí em diante a ferrovia perde-se em um beco. Retomo mais adiante, bem ao lado da Escola Augusto Corrêa. Estranho que uma pequena mercearia, de uma porta só, tenha que vender pão através de grades. Antigamente não era assim. Mais alguns metros e chego à caixa d'água que abastecia a locomotiva. Perto dela, em ruínas, o que parece ter sido uma casa de bombas ou algo assim. Na caixa a pintura desbotada de uma locomotiva. Fico sabendo que ali é um ponto de espera dos assaltantes que infestam o bairro do Triângulo e infernizam a vida dos moradores e passantes. As vítimas preferidas são os ciclistas.
Entre lembranças e rememórias - a primeira vez que visitei Belém fui passageiro do trem, mas já era puxado por lomocotivas dieselétricas - prossigo. Recolho informações. O trem ainda é referência para os mais velhos. Para os mais jovens, nem tanto. A transmissão oral dessa história já não parece tão intensa quanto era nos anos imediatamente seguintes à extinção desse ramal deficitário.
Chego em um trecho de particular beleza: um túnel de árvores. Tinha luz no fim dele. Por isso pude perceber que uma jovem ciclista que passara antes por mim parecia dialogar com alguém. Reencontro-a correndo em minha direção. Passa batida. Ao Luciano - que segue em um carro de apoio - e à equipe da Rede de Televisão Paraense que documentava minha saída da cidade, ela diz que foi assaltada. Isso mesmo. Bruno (repórter) e Alan (cinegrafista) perguntam-lhe se aceita ser entrevistada. Ela reluta. Depois concorda. Relata o ocorrido e diz ter reconhecido o assaltante, morador do Taíra (imortalizado por Lindanor Celina em outros tempos). Ofereço apoio para levá-la ao destino, a vila de Urubuquara, onde ela ia fazer uma cobrança. Ela aceita. Daí por diante o que era um simples veículo de apoio tornou-se quase uma escolta, até o cruzamento da estrada que leva à vila, onde ela desceu. Ofereci-lhe para mais tarde levá-la de volta à Bragança, para que ela pudesse procurar a polícia. Ela aceitou. Aprendi mais uma lição desta caminhada, mas isso é assunto para outro post.
Prossegui caminhando pelo exato lugar onde passava a ferrovia. Outro túnel de árvores deixa claro que em paz a floresta se recupera. Vou reencontrando os cortes - quase verticais, diferente dos cortes rodoviários - e aterros da ferrovia. São evidências materiais que sobrevivem e permitem a cada passo confirmar que ali ela passava.
No cruzamento com a estradinha que leva à Parada Bom Jesus, despeço-me de Bruno e Alan, que voltam para Bragança com Luciano no carro de apoio.
Reencontrado com o caminho e comigo mesmo - estóico sempre acha que coisa errada é anomalia e não regra - sigo o estirão que leva a Tracuateua. A temperatura amena favoreceu-me. Rendi bem. Cheguei ao meio-dia, antes de Luciano voltar de Bragança.
Tracuateua estava em festas. Era festa de S. Sebastião e S. Benedito. O Prefeito - Waldeth Costa, irmão de Duciomar Costa, Prefeito de Bélém - era o Juiz da Festa. Encontrei marujas e marujos de todas as idades. Nesse dia vestiam vermelho. No dia seguinte seria azul, me informa um marujinho esperto, depois da foto.
Garimpando informações para seguir até Mirasselvas, Gladstone, filho do Jorge, que é Secretário de Cultura, localiza um morador que me orienta. E trocando mais um dedo de prosa - e ganhando outra vez - soube de Gladstone que seu pai - que é Geógrafo, da mesma turma do Deputado Luiz Cunha - está preparando um livro sobre Tracuateua, onde a Estrada de Ferro e o IPEAN (atual Embrapa) serão tema.
Depois do almoço dei uma espiada na praça, na Igreja, nos mastros e no barracão da Marujada, onde os pares dançavam xote com a maestria de bragantinos-tracuateuaras.
Em seguida retomo a caminhada, para tentar chegar a Mirasselvas por dentro da fazenda de Manoel Lopes. Vou recolhendo informações. Francisco, um morador vizinho da fazenda, me orienta. Mas ele está indo para a festa e não pode me guiar. Na porteira encontro com criaças que recolhem mangas (a safra este ano parace imensa). Assustam-se e me dão as informações que podem. Sem esquecer de alertar que na fazenda tem... bois. Sigo as orientações e vou descobrindo a sucessão de aterros e cortes, costeando a cerca (o alambrado, diria Brizola). Até topar com uma ponta de mata, sem marca de trilha. Sem guia, sem bússola, sem GPS, fiz o que manda o Manual do Escoteiro: regressei sobre meus próprios passos até Tracuateua. Não queria correr risco de escurecer e eu perder o rastro. Fui espalhando setas no chão.
De novo em Tracuateua telefonei de um orelhão para Araceli (o celular não funcionava), tranquilizando-a. Ela ficou tentando localizar parentes e amigos em Mirasselvas para evitar que Luciano se desesperasse. De fato, Flávio, um amigo da família, já estava varejando a fazenda de Manoel Lopes, com dois amigos de motocicletas e o Luciano na caminhonete. Eles também fizeram o que manda o Manual. Quando já me preparava para tomar um táxi - taxistas e mototaxistas de Tracuateua evitam trafegar depois das seis horas da tarde nas rodovias, com medo de assalto - chegam Flávio Júnior e Luciano, que já começava a se desesperar.
Francisco, o morador que antes me orientara, se aproxima. Disse-lhe o que ocorrera. Ele então explica que eu teria que fazer um desvio e retomar o leito da ferrovia. Comprometeu-se a guiar-me no dia seguinte. Aceitei a oferta.
Segui de carro para Mirasselvas ainda com luz do dia e da rodovia reconheço a ponta de mata até onde havia chegado. E constato que estive a menos de um quilômetro do local onde Luciano estava esperando!
Agradeço ao Flávio a ajuda, passo na frente da antiga estação e sigo para a casa de Isolina, minha prima lá da Colônia Benjamim Constante, de oitenta e tantos anos e muitas lembranças e conversas a perder de vista. Não precisasse eu descansar para a terceira etapa, estaria conversando até hoje.
Nos reencontramos em Capanema.
Saí cedinho pela grande curva que o trem fazia, hoje Rua do Trilho. Uma avenida corta o passo. Daí em diante a ferrovia perde-se em um beco. Retomo mais adiante, bem ao lado da Escola Augusto Corrêa. Estranho que uma pequena mercearia, de uma porta só, tenha que vender pão através de grades. Antigamente não era assim. Mais alguns metros e chego à caixa d'água que abastecia a locomotiva. Perto dela, em ruínas, o que parece ter sido uma casa de bombas ou algo assim. Na caixa a pintura desbotada de uma locomotiva. Fico sabendo que ali é um ponto de espera dos assaltantes que infestam o bairro do Triângulo e infernizam a vida dos moradores e passantes. As vítimas preferidas são os ciclistas.
Entre lembranças e rememórias - a primeira vez que visitei Belém fui passageiro do trem, mas já era puxado por lomocotivas dieselétricas - prossigo. Recolho informações. O trem ainda é referência para os mais velhos. Para os mais jovens, nem tanto. A transmissão oral dessa história já não parece tão intensa quanto era nos anos imediatamente seguintes à extinção desse ramal deficitário.
Chego em um trecho de particular beleza: um túnel de árvores. Tinha luz no fim dele. Por isso pude perceber que uma jovem ciclista que passara antes por mim parecia dialogar com alguém. Reencontro-a correndo em minha direção. Passa batida. Ao Luciano - que segue em um carro de apoio - e à equipe da Rede de Televisão Paraense que documentava minha saída da cidade, ela diz que foi assaltada. Isso mesmo. Bruno (repórter) e Alan (cinegrafista) perguntam-lhe se aceita ser entrevistada. Ela reluta. Depois concorda. Relata o ocorrido e diz ter reconhecido o assaltante, morador do Taíra (imortalizado por Lindanor Celina em outros tempos). Ofereço apoio para levá-la ao destino, a vila de Urubuquara, onde ela ia fazer uma cobrança. Ela aceita. Daí por diante o que era um simples veículo de apoio tornou-se quase uma escolta, até o cruzamento da estrada que leva à vila, onde ela desceu. Ofereci-lhe para mais tarde levá-la de volta à Bragança, para que ela pudesse procurar a polícia. Ela aceitou. Aprendi mais uma lição desta caminhada, mas isso é assunto para outro post.
Prossegui caminhando pelo exato lugar onde passava a ferrovia. Outro túnel de árvores deixa claro que em paz a floresta se recupera. Vou reencontrando os cortes - quase verticais, diferente dos cortes rodoviários - e aterros da ferrovia. São evidências materiais que sobrevivem e permitem a cada passo confirmar que ali ela passava.
No cruzamento com a estradinha que leva à Parada Bom Jesus, despeço-me de Bruno e Alan, que voltam para Bragança com Luciano no carro de apoio.
Reencontrado com o caminho e comigo mesmo - estóico sempre acha que coisa errada é anomalia e não regra - sigo o estirão que leva a Tracuateua. A temperatura amena favoreceu-me. Rendi bem. Cheguei ao meio-dia, antes de Luciano voltar de Bragança.
Tracuateua estava em festas. Era festa de S. Sebastião e S. Benedito. O Prefeito - Waldeth Costa, irmão de Duciomar Costa, Prefeito de Bélém - era o Juiz da Festa. Encontrei marujas e marujos de todas as idades. Nesse dia vestiam vermelho. No dia seguinte seria azul, me informa um marujinho esperto, depois da foto.
Garimpando informações para seguir até Mirasselvas, Gladstone, filho do Jorge, que é Secretário de Cultura, localiza um morador que me orienta. E trocando mais um dedo de prosa - e ganhando outra vez - soube de Gladstone que seu pai - que é Geógrafo, da mesma turma do Deputado Luiz Cunha - está preparando um livro sobre Tracuateua, onde a Estrada de Ferro e o IPEAN (atual Embrapa) serão tema.
Depois do almoço dei uma espiada na praça, na Igreja, nos mastros e no barracão da Marujada, onde os pares dançavam xote com a maestria de bragantinos-tracuateuaras.
Em seguida retomo a caminhada, para tentar chegar a Mirasselvas por dentro da fazenda de Manoel Lopes. Vou recolhendo informações. Francisco, um morador vizinho da fazenda, me orienta. Mas ele está indo para a festa e não pode me guiar. Na porteira encontro com criaças que recolhem mangas (a safra este ano parace imensa). Assustam-se e me dão as informações que podem. Sem esquecer de alertar que na fazenda tem... bois. Sigo as orientações e vou descobrindo a sucessão de aterros e cortes, costeando a cerca (o alambrado, diria Brizola). Até topar com uma ponta de mata, sem marca de trilha. Sem guia, sem bússola, sem GPS, fiz o que manda o Manual do Escoteiro: regressei sobre meus próprios passos até Tracuateua. Não queria correr risco de escurecer e eu perder o rastro. Fui espalhando setas no chão.
De novo em Tracuateua telefonei de um orelhão para Araceli (o celular não funcionava), tranquilizando-a. Ela ficou tentando localizar parentes e amigos em Mirasselvas para evitar que Luciano se desesperasse. De fato, Flávio, um amigo da família, já estava varejando a fazenda de Manoel Lopes, com dois amigos de motocicletas e o Luciano na caminhonete. Eles também fizeram o que manda o Manual. Quando já me preparava para tomar um táxi - taxistas e mototaxistas de Tracuateua evitam trafegar depois das seis horas da tarde nas rodovias, com medo de assalto - chegam Flávio Júnior e Luciano, que já começava a se desesperar.
Francisco, o morador que antes me orientara, se aproxima. Disse-lhe o que ocorrera. Ele então explica que eu teria que fazer um desvio e retomar o leito da ferrovia. Comprometeu-se a guiar-me no dia seguinte. Aceitei a oferta.
Segui de carro para Mirasselvas ainda com luz do dia e da rodovia reconheço a ponta de mata até onde havia chegado. E constato que estive a menos de um quilômetro do local onde Luciano estava esperando!
Agradeço ao Flávio a ajuda, passo na frente da antiga estação e sigo para a casa de Isolina, minha prima lá da Colônia Benjamim Constante, de oitenta e tantos anos e muitas lembranças e conversas a perder de vista. Não precisasse eu descansar para a terceira etapa, estaria conversando até hoje.
Nos reencontramos em Capanema.
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