Notícias da Guatemala: Antigua e Chichicastenango
Guatemala é um lugar para vir, ver e voltar.
Terminada a guerrilha, parecem sinceros e eficazes os esforcos de pacificacao e reconciliacao nacional, apesar da descrenca nos politicos em geral e parlamentares em particular. Aqui se fala - e se escreve - horrores dos parlamentares.
A paz é valorizada. E para que da guerra nao se esquecam, nas colunas do gradil que cerca a Catedral de Guatemala foram gravados os nomes dos mortos e desaparecidos. É simplesmente emocionante ler - letrinhas miúdas - cada nome desse memorial, em ordem alfabética, por família. Famílias inteiras foram massacradas. Milhares de mortos e desaparecidos. As cicatrizes deixaram marcas na sociedade, na cultura, na economia e na política. Falar de paz aqui é falar de uma coisa concreta, nada metafísico, como parecer ser no Brasil.
A gentileza natural dos maias - 23 grupos diferentes - e a beleza do vestuário das mulheres já justificam uma viagem a Guatemala. Aqui nao precisa fazer campanha pela gentileza, pois esse é o estado natural das pessoas, em todos os lugares, sejam elas maias, ladinas ou brancas.
As comidas típicas - para além da semelhanca com a mexicana já bem difundida no mundo inteiro - sao excelentes e mais dia menos dia seguirao o mesmo caminho da mexicana. Gostei muito do pepián. Do ceviche nem tanto. O do Peru é melhor.
As flores e frutas enchem as vistas e abrem o apetite. Tem até um murici gigante.
Gostei muito de Antigua, a capital anterior da Guatemala, destruída por um terremoto no Século XVIII (veja fotos aqui) e replicada na atual capital. Agora a cidade está revivendo, com suas ruas empedradas, casas restauradas e ruínas estabilizadas. Na Semana Santa fazem um tapete de flores e serragem que é atracao para centenas de milhares de pessoas, que fazem reservas nos hotéis com um ano de antecedencia. É pura magia e charme colonial, de verdade, nao aquela coisa temática e fake para gringo ver.
Passei a noite de ontem em Chichicastenango, em um hotel encravado na montanha e com vista para o vale onde fica a cidade (veja fotos aqui). Hoje era dia de feira. As ruas foram tomadas de maias quichés - a etnia de Rigoberta Menchu Tum - com seus coloridíssimos tecidos simplesmente maravilhosos. Na escadaria da Igreja de Santo Tomás - aqui ele perdeu o Aquino e ganhou o Chichicastenango (lugar de urtigas) - dezoito degraus lembram os dezoito meses do calendário maia. Estavam cheios de flores, como na Piazza di Spagna. É um lugar sagrado, pois foi construído sobre um templo maia. As flores sao para as oferendas feitas dentro da Igreja. Só os sacerdotes maias ingressam pela porta da frente. Os demais ingressam pela porta lateral. Dentro da igreja, mesas recebem as oferendas: milho, tecido, velas, flores e aguardente. O fumo centenário das velas enegreceu os retábulos. Nao se ve mais as pinturas. Os rituais sao maias e as fotografias estao proibidas. Assisti um deles em que um sacerdote maia - com vestes ocidentais e celular no cinturao - fazia as preces e impunha um hissope de erva (parecida com beldroega) amarrado com palha de milho sobre um casal de joelhos. A cena se repetiu em todos os altares laterais e na capela em frente (separada pelo mercado ao ar livre). Pelas minhas contas o ritual durou mais de uma hora.
No cemitério - as tumbas sao coloridíssimas - assisti um ritual parecido, com um chaman aspergindo aguardente (com a boca, como fazem os engolidores de fogo) sobre uma família reunida em torno de uma modesta tumba.
A Igreja Católica tolera esses rituais sincréticos, mas padres conservadores criaram a Acao Catolica e estao usurpando muitos deles das cofradias, as irmandades religiosas daqui. Pior para a Santa Madre, que assim abriu flanco para os evangélicos pentecostais, que estao crescendo muito aqui também.
Caminhei tres horas nesse imenso mercado a céu aberto. As cores dos tecidos sao estonteantes. As máscaras de madeira - que Diego e Frida tornaram conhecidas - trazem a ancestralidade em cada detalhe. Tem as que sao feitas para vender para turistas e nativos, mas tem as que sao feitas para os danzantes - sao usadas nas festas do final do ano - e depois revendidas para turistas.
É difícil escolher um huipile (blusa feminina) ou um corte (saia) ou mesmo uma peca para servir de colcha ou toalha de mesa. Cada lugar e cada família produz seu próprio desenho. As camisas em algodao sao lindas e baratas. Mais baratas que uma camiseta. Mas tem que saber regatear.
Ontem comprei um huipile e um corte de uma artesa de Santo Antonio de Águas Calientes, que recebeu premios internacionais por sua habilidade. É ela que faz os brindes que a Presidencia da República entrega aos visitantes ilustres. Uma simpatia. Os precos dela sao salgados mas a qualidade é mesmo visivelmente superior. Ela tem uma colecao de huipiles recolhidos de todos os cantos da Guatemala. Nao os vende por preco algum.
Almocei em Panajachel, conhecida também como Gringotenango, depois que foi descoberta pelos hippies nos anos setenta e tornou-se a meca dos mochileiros, alguns dos quais ficaram por aqui e sao agora hippies de terceira idade, donos de bares, restaurantes e pousadas descoladas.
Definitivamente, meu santo bateu com os da Guatemala. Que nao sao poucos.
Comprei hoje o Popol Vuh, a bíblia dos maias. A mim parece que o mito fundante deles superior ao nosso, judaico-crista. Segundo o Popol Vuh (o original foi encontrado na Igreja de Chichicastenango por um padre), foram feitas duas tentativas de criacao do homem - de madeira (rachava) e barro (dissolvia na água ou quebrava) - e só deu certo na terceira, quando o Criador resolveu fazer o homem de milho. Astúrias fez sucesso exatamente com o livro Hombre de Maiz.
Mas este povo gentil e valoroso, sobrevivente da conquista - os 500 anos do Descobrimento aqui deu um pau danado - tem muitos e variados problemas para resolver.
Viajar para a Guatemala ajuda a conhecer melhor o país e seu povo e reforca o orcamento das familias. O turismo hoje é o segundo item na formacao do PIB.
Por tudo isso vale a pena conhecer este Mundo Maia.
= = = = =
PS: Retificando. Nao foram tres, foram quatro tentativas de criar o homem. Na terceira foi craido um homem de carne, osso e sangue e deu errado porque esse homem fez muita besteira. Só na quarta tentativa foi usado o milho e entao deu certo.
Terminada a guerrilha, parecem sinceros e eficazes os esforcos de pacificacao e reconciliacao nacional, apesar da descrenca nos politicos em geral e parlamentares em particular. Aqui se fala - e se escreve - horrores dos parlamentares.
A paz é valorizada. E para que da guerra nao se esquecam, nas colunas do gradil que cerca a Catedral de Guatemala foram gravados os nomes dos mortos e desaparecidos. É simplesmente emocionante ler - letrinhas miúdas - cada nome desse memorial, em ordem alfabética, por família. Famílias inteiras foram massacradas. Milhares de mortos e desaparecidos. As cicatrizes deixaram marcas na sociedade, na cultura, na economia e na política. Falar de paz aqui é falar de uma coisa concreta, nada metafísico, como parecer ser no Brasil.
A gentileza natural dos maias - 23 grupos diferentes - e a beleza do vestuário das mulheres já justificam uma viagem a Guatemala. Aqui nao precisa fazer campanha pela gentileza, pois esse é o estado natural das pessoas, em todos os lugares, sejam elas maias, ladinas ou brancas.
As comidas típicas - para além da semelhanca com a mexicana já bem difundida no mundo inteiro - sao excelentes e mais dia menos dia seguirao o mesmo caminho da mexicana. Gostei muito do pepián. Do ceviche nem tanto. O do Peru é melhor.
As flores e frutas enchem as vistas e abrem o apetite. Tem até um murici gigante.
Gostei muito de Antigua, a capital anterior da Guatemala, destruída por um terremoto no Século XVIII (veja fotos aqui) e replicada na atual capital. Agora a cidade está revivendo, com suas ruas empedradas, casas restauradas e ruínas estabilizadas. Na Semana Santa fazem um tapete de flores e serragem que é atracao para centenas de milhares de pessoas, que fazem reservas nos hotéis com um ano de antecedencia. É pura magia e charme colonial, de verdade, nao aquela coisa temática e fake para gringo ver.
Passei a noite de ontem em Chichicastenango, em um hotel encravado na montanha e com vista para o vale onde fica a cidade (veja fotos aqui). Hoje era dia de feira. As ruas foram tomadas de maias quichés - a etnia de Rigoberta Menchu Tum - com seus coloridíssimos tecidos simplesmente maravilhosos. Na escadaria da Igreja de Santo Tomás - aqui ele perdeu o Aquino e ganhou o Chichicastenango (lugar de urtigas) - dezoito degraus lembram os dezoito meses do calendário maia. Estavam cheios de flores, como na Piazza di Spagna. É um lugar sagrado, pois foi construído sobre um templo maia. As flores sao para as oferendas feitas dentro da Igreja. Só os sacerdotes maias ingressam pela porta da frente. Os demais ingressam pela porta lateral. Dentro da igreja, mesas recebem as oferendas: milho, tecido, velas, flores e aguardente. O fumo centenário das velas enegreceu os retábulos. Nao se ve mais as pinturas. Os rituais sao maias e as fotografias estao proibidas. Assisti um deles em que um sacerdote maia - com vestes ocidentais e celular no cinturao - fazia as preces e impunha um hissope de erva (parecida com beldroega) amarrado com palha de milho sobre um casal de joelhos. A cena se repetiu em todos os altares laterais e na capela em frente (separada pelo mercado ao ar livre). Pelas minhas contas o ritual durou mais de uma hora.
No cemitério - as tumbas sao coloridíssimas - assisti um ritual parecido, com um chaman aspergindo aguardente (com a boca, como fazem os engolidores de fogo) sobre uma família reunida em torno de uma modesta tumba.
A Igreja Católica tolera esses rituais sincréticos, mas padres conservadores criaram a Acao Catolica e estao usurpando muitos deles das cofradias, as irmandades religiosas daqui. Pior para a Santa Madre, que assim abriu flanco para os evangélicos pentecostais, que estao crescendo muito aqui também.
Caminhei tres horas nesse imenso mercado a céu aberto. As cores dos tecidos sao estonteantes. As máscaras de madeira - que Diego e Frida tornaram conhecidas - trazem a ancestralidade em cada detalhe. Tem as que sao feitas para vender para turistas e nativos, mas tem as que sao feitas para os danzantes - sao usadas nas festas do final do ano - e depois revendidas para turistas.
É difícil escolher um huipile (blusa feminina) ou um corte (saia) ou mesmo uma peca para servir de colcha ou toalha de mesa. Cada lugar e cada família produz seu próprio desenho. As camisas em algodao sao lindas e baratas. Mais baratas que uma camiseta. Mas tem que saber regatear.
Ontem comprei um huipile e um corte de uma artesa de Santo Antonio de Águas Calientes, que recebeu premios internacionais por sua habilidade. É ela que faz os brindes que a Presidencia da República entrega aos visitantes ilustres. Uma simpatia. Os precos dela sao salgados mas a qualidade é mesmo visivelmente superior. Ela tem uma colecao de huipiles recolhidos de todos os cantos da Guatemala. Nao os vende por preco algum.
Almocei em Panajachel, conhecida também como Gringotenango, depois que foi descoberta pelos hippies nos anos setenta e tornou-se a meca dos mochileiros, alguns dos quais ficaram por aqui e sao agora hippies de terceira idade, donos de bares, restaurantes e pousadas descoladas.
Definitivamente, meu santo bateu com os da Guatemala. Que nao sao poucos.
Comprei hoje o Popol Vuh, a bíblia dos maias. A mim parece que o mito fundante deles superior ao nosso, judaico-crista. Segundo o Popol Vuh (o original foi encontrado na Igreja de Chichicastenango por um padre), foram feitas duas tentativas de criacao do homem - de madeira (rachava) e barro (dissolvia na água ou quebrava) - e só deu certo na terceira, quando o Criador resolveu fazer o homem de milho. Astúrias fez sucesso exatamente com o livro Hombre de Maiz.
Mas este povo gentil e valoroso, sobrevivente da conquista - os 500 anos do Descobrimento aqui deu um pau danado - tem muitos e variados problemas para resolver.
Viajar para a Guatemala ajuda a conhecer melhor o país e seu povo e reforca o orcamento das familias. O turismo hoje é o segundo item na formacao do PIB.
Por tudo isso vale a pena conhecer este Mundo Maia.
= = = = =
PS: Retificando. Nao foram tres, foram quatro tentativas de criar o homem. Na terceira foi craido um homem de carne, osso e sangue e deu errado porque esse homem fez muita besteira. Só na quarta tentativa foi usado o milho e entao deu certo.
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