Juridiquês de Malandro
Quando bordejava pelas vias, abasteci a caveira e troquei por centavos um embrulhador.
Quando então vi as novas do embrulhador, plantado com um poste bem na quebrada da rua, veio uma pára-quedas se abrindo, eu dei a dica, ela bolou, eu fiz a pista, colei;solei, ela aí bronqueou, eu chutei, bronqueou mas foi na despista, porque, muito vivaldina, tinha se adernado e visto que o cargueiro estava lhe comboiando.
Morando na jogada, o Zezinho aqui ficou ao largo e viu quando o cargueiro jogou a amarração dando a maior sugesta na recortada. Manobrei e procurei engrupir o pagante, mas, sem esperar, recebi um cataplum no pé do ouvido.
Aí dei-lhe um bico com o pisante na altura da dobradiça, uma muqueada nos mordedores e taquei-lhe os dois pés na caixa de mudança pondo-o por terra.
Ele se coçou, sacou a máquina e queimou duas espoletas.
Papai, muito esperto, virou pulga e fez a dunquerque, pois o vermelho não combina com a cor do meu linho.
Durante o boogi, uns e outros me disseram que o sueco era tira e que iria me fechar o paletó.
Não tenho vocação pra presunto e corri.
Peguei uma borracha grande e saltei no fim do carretel, bem no vazio da Lapa, precisamente às 15 para a cor-da-rosa.
Como desde a matina não tinha engolido a gordura, o roque do meu pandeiro estava sugerindo sarro.
Entrei no china-pau e pedi um boi a mossoró com confete de casamento e uma barriguda bem morta.
Engoli a gororoba e como o meu era nenhum, pedi ao caixa pra botar na pendura que depois eu iria esquentar aquela fria.
Ia pirar quando o sueco apareceu. Dizendo que eu era produto do Mangue, foi direto ao médico-legal para me esculachar.
Eu sou preto mas não sou Gato Félix, me queimei e puxei a solingea.
Fiz uma avenida na epiderme do moço. Ele virou logo América.
Aproveitei a confusa para me pirar, mas um dedo-duro me apontou aos xifópagos e por isto estou aqui.”
Não entendeu nada? A tradução é a seguinte…
Tradução “malandrês-português”
patuá | forma giriática para substituir “o negócio”, “a questão”, “o problema”. |
gelo | desprezo |
esquinar | ficar parado em esquinas, à espera de algo |
cabrocha | mulher |
que preparasse a marmita e amarrotasse o meu linho no sabão | que cozinhasse para mim e lavasse a minha roupa |
bordejava pelas vias | perambulava pelas ruas |
abasteci a caveira | tomei uma bebida – uma cachaça |
troquei por centavos um embrulhador | comprei um jornal |
na quebrada da rua | na esquina |
veio uma pára-quedas se abrindo | veio uma mulher demonstrando interesse pelo malandro |
eu dei a dica | o malandro dirigiu um gracejo à mulher |
ela bolou | a mulher foi receptiva à lisonja do malandro |
eu fiz a pista | acompanhei-a |
colei | aproximei-me, caminhando ao lado da mulher |
solei | conversei com a mulher |
bronqueou | demonstrou com palavras iradas, o seu desagrado |
vivaldina | viva, esperta, inteligente |
o cargueiro estava lhe comboiando | o namorado a estava acompanhando |
morando na jogada | compreendendo a situação |
o Zezinho aqui | forma do malandro referir-se a si mesmo |
o cargueiro jogou a amarração | o namorado se aproximou dela |
um cataplum no pé do ouvido | um soco ou bofetada na orelha |
dei-lhe um bico com o pisante na altura da dobradiça | dei-lhe um pontapé no joelho |
uma muqueada nos mordedores | forma de muque – um soco nos dentes |
taquei-lhe os dois pés na caixa de mudança | saltei-lhe com os dois pés sobre o peito |
ele se coçou, sacou a máquina e queimou duas espoletas | sacou o revólver e fez dois disparos |
papai | (outra forma do malandro referir-se a si mesmo) |
virou pulga | deu um salto |
fez a dunquerque | evadiu-se, fugiu (alusão à famosa retirada de dunquerque, na Segunda Guerra Mundial) |
vermelho não combina com a cor do meu linho | referia-se ao vermelho do sangue |
tira | policial, detetive, investigador. |
fechar o paletó | matar |
não tenho vocação pra presunto | referia-se ao seu apego à vida |
borracha grande | ônibus |
no fim do carretel | no fim da linha, no ponto final |
bem no vazio da lapa | no Largo da Lapa |
às 15 para a cor de rosa | às 17 horas e 45 minutos |
matina | manhã (observe-se a influência do elemento imigrante através desse vocábulo italiano) |
o roque do meu pandeiro | o ruído do meu estômago |
china-pau | “china” (pequenos restaurantes chineses que serviam pratos a preços populares, na época, muito comuns no Rio de Janeiro) |
boi a mossoró com confete de casamento | bife a cavalo com arroz |
e uma barriguda bem morta | cerveja bem gelada |
como o meu era nenhum | como não tinha dinheiro… |
pedi ao caixa pra botar na pendura que depois eu iria esquentar aquela fria | pedi ao caixa um crédito, dizendo-lhe que pagaria a despesa mais tarde. |
dizendo que eu era produto do mangue | o Mangue é um dos prostíbulos do Rio de Janeiro (curioso notar o eufemismo desta construção) |
me queimei e puxei a solingea | irritei-me e saquei a navalha (a marca do instrumento Solingen passou a sinônimo de navalha) |
fiz uma avenida na epiderme do moço | fiz um talho na pele… |
ele virou logo américa | ficou vermelho como sangue (América Futebol Clube, cujo uniforme se compõe de camisas vermelhas) |
dedo-duro | delator |
xifópagos | policiais do Rio de Janeiro que sempre andam em duplas (também chamados Cosme e Damião) |
Atualização (em 02/03/2008): o texto foi originalmente publicado no “Curso prático da língua portuguesa e sua literatura”, de autoria do ex-presidente Jânio Quadros (São Paulo, editora Formar, 1966, 6 volumes).
Foi divulgado na Internet pelo Jus Navigandi. Que faz o latinório sobreviver na Internet. E, graças a alguns colaboradores, o juridiquês também.
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https://memoria.bn.gov.br/DocReader/docreader.aspx?bib=089842_06&pasta=ano%20195&pesq=&pagfis=104210