Confusão na Caserna

Domingo de sol na Região Metropolitana de Belém combina com crônica do amigo Octavio Pessôa.
Lá vai.

CONFUSÃO NA CASERNA

Octavio Pessôa Ferreira*

O cenário: Belém do Pará, durante a II Guerra Mundial. A Base Aérea de Belém a serviço das forças americanas, quando Vargas se decidiu finalmente, a favor das forças aliadas. As altas patentes germanófilas das forças armadas brasileiras haviam sido vencidas. O clima era pesado.

À época, as mensagens eram transmitidas via rádio e o telegrafista receptor a transformava num documento escrito, que nem sempre ficava muito legível, dada à má qualidade da tinta de impressão e o uso constante do equipamento.

O oficial de serviço, naquele domingo, era o Tenente Fritz, que em seus jeitos e maneiras denunciava claramente sua ascendência germânica. Por motivos óbvios, ele andava mais nervoso do que nunca, fazendo mil trapalhadas.

No final da tarde, ele recebe um documento em que estava escrito: “Atenção Oficial de Dia da BABE, x corpo xxx Fuzileiroxxxxxx embarcará para Belém amanhãxxxxxx chegando Base... 13:00 Zuluxxx interior do Estadoxxx, segunda-feira... Tome xxx providencias ugentesxxx”.

Zeloso em suas responsabilidades, Fritz imediatamente entrou em contato com o 4º Distrito Naval, falando com oficial do dia. Esse, também muito cuidadoso, ligou imediatamente para seu comandante, informando a chegada do corpo do fuzileiro.

O comandante ficou muito aborrecido por não ter recebido, com antecedência e pelos seus pares, a notícia da morte do fuzileiro naval de sua circunscrição militar. Ordenou urgente pesquisa sobre a terra natal e em que cidade morava tal fuzileiro. Enquanto isso, o tenente Fritz ligou para o Armador Duarte, tradicional e única funerária de porte, em Belém. Encomendou caixão digno de um herói e coroas de flores, em nome da Base Aérea e do 4º Distrito Naval. Contratou ainda, os serviços de algumas carpideiras, para prantearem o valente soldado desaparecido. Afinal, era um paraense tombado em campo de batalha, oferecendo a vida em holocausto, na defesa das forças democráticas, contra a tirania e a arrogância de Hitler e seus asseclas. Tudo o que se fizesse seria pouco.

A banda de música do 1º Comar passou a noite toda ensaiando a Sinfonia nº 6 em Si Menor, Opus 74 - A Patética, de Tchaikovsky, sob a batuta do maestro Coronel Uirapuru, para execução nas exéquias do herói paraense.

Às dez da manhã da segunda-feira estava tudo pronto. O DC-3 se aproxima da reta final e pousa, em seguida. Ao estacionar, roncando seus dois motores, tapete vermelho, caixão a postos, o corneteiro inicia o toque O SILÊNCIO. Aquele que de tanto ser executado nos funerais militares dos Estados Unidos, a gente pensa que é americano.

Na verdade, é de autoria de um anônimo soldado mexicano, um comandado do general Antonio Maria Santa Anna, o que se autoproclamou ditador do México, famoso por ter vencido a batalha de El Álamo, em 1836. Segundo a lenda, depois da batalha, Santa Anna ordenou a seu corneteiro que compusesse uma melodia para homenagear os soldados mortos em combate.

Pois bem, aos primeiros acordes do toque considerado “a última nota do mundo, a ferir os umbrais da eternidade”, eis que a porta do avião se abre. Então, galhardamente, os valorosos soldados do Corpo de Fuzileiros Navais, descem da aeronave e, com muito garbo, marcham sobre o solo paraense e apresentam-se ao Comandante do 1º Comar . Vieram fazer uma apresentação na ilha do Mosqueiro.

Não há registro de quantos dias de cadeia pegou o pobre Tenente Fritz.

Dedico esta crônica ao meu particular amigo, Major Brigadeiro do Ar Eliseu Mendes Barbosa, que me forneceu o argumento do Tenente Fritz, em nossas caminhadas pelo calçadão da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.

*Jornalista, advogado e auditor federal de controle externo.


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