Essência da Universidade

De Erick Nelo Pedreira, Prorreitor de Planejamento e Desenvolvimento Institucional da Universidade Federal do Pará - a minha Alma Mater - recebi este corajoso artigo sobre a essência da universidade.
Vale a pena lê-lo e meditar sobre seu conteúdo.

Essência da Universidade

Por Erick Nelo Pedreira – Pro Reitor de Planejamento e Desenvolvimento Institucional UFPA

Já perfaz algum tempo que a educação, no Brasil, é privilégio de alguns poucos que, com muita perseverança, coragem e determinação, conseguem vencer as barreiras do ensino básico, secundário, o tão temido vestibular e, enfim, sonhar com a universidade.

É curioso que atualmente o termo universidade evoca em nosso espírito um conjunto de edifícios, distribuídos num espaço aberto (campus), onde se ensinam diferentes áreas do saber. Na sua origem, a palavra "universitas" designava um conjunto de pessoas (mestres e estudantes) que viviam em determinadas cidades. Posteriormente, organizaram-se e transformaram-se em corpos coletivos, semelhantes ao que verdadeiramente se propunham as universidades modernas. Poderia afirmar, com pouco risco de errar, que grande parte das universidades latino-americanas caracterizam-se por não realizarem sua essência, ocupando-se apenas com certos propósitos acadêmicos, onde infelizmente o aprendizado se resume a intermináveis e arcaicas aulas expositivas, onde a atividade de bancada se resume a segundo plano, onde as instalações físicas ficam muito aquém do mínimo desejado, onde o estímulo ao docente desincentiva a produtividade, isto sem falar dos vários "brasis" e suas desigualdes. Ficamos, assim, refém deste interminável ciclo predatório, onde a pluralidade universitária transforma-se em utopia.

Qual é, então, o privativo da universidade, sua essência? Para que ela existe? Para que está aí? Que papel desempenha ou deve desempenhar na sociedade?

A universidade deve ser necessariamente uma comunidade pensante, que deve ensinar a desenvolver o espírito crítico dos que dela fazem parte, o próprio julgamento? É um centro de crítica que deve formar graduados capazes de pensar e criticar com independência e que saibam transmitir à sociedade este espírito. A universidade deve ser polemista, palco de discussões de problemas importantes na esfera científica, política, social e cultural, desempenhando, dessa forma, o seu real propósito: a liberdade acadêmica.

Quando, por várias razões, entra no caminho do conformismo, começa a traição à sua essência, pois a sua razão de ser exige a liberdade de pensamento e discussão. Porque é pensante, livre, crítica e polemista, é necessariamente um centro de pesquisa, ensino e serviço assistencial.

A história das universidades revela que sempre houve esforços para escapar do marasmo da burocracia, do perigo da esclerose curricular, através de inúmeras reformas, que infelizmente até hoje não atingiram o âmago do problema e muitas vezes ficaram reduzidas a simples reformas estatutárias; convertidas em rios de tinta, em falar muito e dizer pouco. Nos fazem recordar a grande revolução levada a cabo numa peça de Ionesco (As cadeiras), que consiste em unicamente mudar os móveis de lugar.

Atualmente, os estudantes não ingressam numa universidade; em seu sentido pleno, ingressam, sim, em uma estrutura universitária desvirtuada, eficiente máquina burocrática, lançada com todo o seu peso sobre o jovem que, ainda recém-chegado, traz na mochila um mundo de sonhos. Após longos anos de estudo, recebe como tíquete de saída um diploma com valor de câmbio, ou seja, sujeito à oferta e demanda. E a criatividade, originalidade, desenvolvimento da personalidade, onde ficam? Possivelmente foram falecendo ao longo dos bancos universitários ou sequer nasceram.

Nos deparamos novamente diante da necessidade de repensar a Reforma Universitária, que traz a tiracolo uma autonomia há muito pleiteada. Portanto, é um importante momento de discussão ampla que deve extrapolar os muros da universidade e gerar propostas concretas de melhoria da qualidade do ensino superior brasileiro, discutindo verdadeiramente o papel da universidade e o que estamos produzindo para a sociedade.

A educação universitária deveria levar o estudante a fazer sua a frase de Xenófanes de Cólofon:

"Melhor que a força dos cavalos e do homens, é a nossa sabedoria".


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