A Ferro e Fogo
Sei que é uma vergonha e uma desgraça que dói mais que a própria dor física.
Sei que corremos o risco de banalizar a tortura e, embrutecidos, aceitá-la como recurso para amansar os brabos.
Mas sei também que a melhor forma de esconjurar esse risco é encarando o problema de frente, reconhecendo que ele existe e que todos nós - eu digo todos mesmo - temos responsabilidades e compromissos com a erradicação dessa prática.
A notícia abaixo transcrito vale como um beliscão em nós mesmos, para que caiamos na real.
Não construiremos uma civilização nestas bandas enquanto existir tortura e trabalho forçado.
E não se iludam os eufóricos pelo sucesso econômico lastreado no PIB minerário do Estado do Pará: o modelo não é sustentável se não respeitar o homem e a natureza.
Fiscalização encontrou 35 pessoas em situação análoga à escravidão em área de fazendeiro reincidente no crime. Denúncia partiu de trabalhador que diz ter sido marcado com ferro quente quando reclamou de salários atrasados.
Por Iberê Thenório, da Agência de Notícias Repórter Brasil
Mais de sessenta cicatrizes recentes de ferro quente marcam o trabalhador de cerca de 30 anos que denunciou trabalho escravo em uma fazenda de Paragominas, no Leste do Pará. De acordo com seu relato, foi torturado pelo patrão e mais dois capangas quando reclamou das más condições de alimentação e do salário atrasado. Fugiu da fazenda no início de janeiro e, depois de dezenas de quilômetros a pé e de muitas caronas, conseguiu contar sua história à Superintendência do Trabalho e Emprego (SRTE) do Pará.
Trabalhador denunciante afirma ter sido marcado a ferro quente pelo patrão e dois capangas quando exigiu pagamento de salários atrasados (Foto: SRTE-PA / Divulgação)
Na última terça-feira, a fiscalização rural da SRTE esteve na fazenda denunciada, e comprovou parte das informações passadas pelo trabalhador. Foram encontradas 35 pessoas em situação análoga à escravidão, que dormiam em um curral abandonado, junto com esterco de boi, e eram alimentadas com restos de carne: pulmões e tetas de vaca.
A propriedade, que fica a 75km de Paragominas, chama-se Bonsucesso e pertence a Gilberto Andrade. O fazendeiro já está na Lista Suja do trabalho escravo por manter 18 pessoas em condições semelhantes no município de Centro Novo do Maranhão (MA). Essa lista, publicada desde 2003 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), traz uma relação de pessoas e empresas flagradas cometendo esse tipo de crime.
Cicatrizes da tortura se espalham pelo rosto, braços e abdome (Foto: SRTE-PA / Divulgação)
Fezes e roupas
“Fezes de animais estavam misturadas com roupas. Nesse período de chuvas ainda é muito pior, pois se mistura a água com esterco. Além do cheiro horrível, há problemas infecto-contagiosos. O curral não servia mais ao gado, mas servia aos empregados.”, relata o auditor fiscal Raimundo Barbosa da Silva, que liderou a operação na Bonsucesso.
De acordo com o auditor, as provas recolhidas na fazenda são coerentes com o relato de tortura feito pelo trabalhador fugitivo, cujo nome permanece em sigilo. Os trabalhadores resgatados confirmam que ele deixou o alojamento para ir reclamar dos salários e nunca mais apareceu. Além disso, informam que nessa época não havia cicatrizes em seu corpo.
Nenhum dos 35 libertados em Paragominas tinha carteira assinada. A maior parte deles havia chegado em dezembro para fazer a limpeza do pasto para o gado, mas ainda não havia recebido salário. Em uma cantina mantida pela fazenda, eram vendidos fumo, sabonetes e equipamentos de proteção individual que, pela lei, devem ser fornecidos gratuitamente pelo empregador. Todo o gasto dos trabalhadores estava anotado em um caderno.
“Como não havia pagamento de salário, ainda não havia desconto [no salário]. Mas, pela nossa experiência, sabemos que essas anotações seriam usadas para cobrar do trabalhador”, explica Raimundo Barbosa.
A rescisão do contrato com os peões custou R$ 45 mil a Gilberto Andrade. De acordo com o procurador Ministério Público do Trabalho (MPT) Francisco Cruz, que acompanhou a fiscalização, o órgão ajuizará uma ação civil pública pedindo uma indenização por danos morais coletivos. Além disso, o fazendeiro também poderá responder na Justiça comum por outros crimes, caso seja comprovado que participou da tortura ao trabalhador denunciante.
A Repórter Brasil tentou localizar o fazendeiro para comentar o caso, mas ele não foi encontrado até o fechamento desta matéria.
Sei que corremos o risco de banalizar a tortura e, embrutecidos, aceitá-la como recurso para amansar os brabos.
Mas sei também que a melhor forma de esconjurar esse risco é encarando o problema de frente, reconhecendo que ele existe e que todos nós - eu digo todos mesmo - temos responsabilidades e compromissos com a erradicação dessa prática.
A notícia abaixo transcrito vale como um beliscão em nós mesmos, para que caiamos na real.
Não construiremos uma civilização nestas bandas enquanto existir tortura e trabalho forçado.
E não se iludam os eufóricos pelo sucesso econômico lastreado no PIB minerário do Estado do Pará: o modelo não é sustentável se não respeitar o homem e a natureza.
Fiscalização encontrou 35 pessoas em situação análoga à escravidão em área de fazendeiro reincidente no crime. Denúncia partiu de trabalhador que diz ter sido marcado com ferro quente quando reclamou de salários atrasados.
Por Iberê Thenório, da Agência de Notícias Repórter Brasil
Mais de sessenta cicatrizes recentes de ferro quente marcam o trabalhador de cerca de 30 anos que denunciou trabalho escravo em uma fazenda de Paragominas, no Leste do Pará. De acordo com seu relato, foi torturado pelo patrão e mais dois capangas quando reclamou das más condições de alimentação e do salário atrasado. Fugiu da fazenda no início de janeiro e, depois de dezenas de quilômetros a pé e de muitas caronas, conseguiu contar sua história à Superintendência do Trabalho e Emprego (SRTE) do Pará.
Trabalhador denunciante afirma ter sido marcado a ferro quente pelo patrão e dois capangas quando exigiu pagamento de salários atrasados (Foto: SRTE-PA / Divulgação)
Na última terça-feira, a fiscalização rural da SRTE esteve na fazenda denunciada, e comprovou parte das informações passadas pelo trabalhador. Foram encontradas 35 pessoas em situação análoga à escravidão, que dormiam em um curral abandonado, junto com esterco de boi, e eram alimentadas com restos de carne: pulmões e tetas de vaca.
A propriedade, que fica a 75km de Paragominas, chama-se Bonsucesso e pertence a Gilberto Andrade. O fazendeiro já está na Lista Suja do trabalho escravo por manter 18 pessoas em condições semelhantes no município de Centro Novo do Maranhão (MA). Essa lista, publicada desde 2003 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), traz uma relação de pessoas e empresas flagradas cometendo esse tipo de crime.
Cicatrizes da tortura se espalham pelo rosto, braços e abdome (Foto: SRTE-PA / Divulgação)
Fezes e roupas
“Fezes de animais estavam misturadas com roupas. Nesse período de chuvas ainda é muito pior, pois se mistura a água com esterco. Além do cheiro horrível, há problemas infecto-contagiosos. O curral não servia mais ao gado, mas servia aos empregados.”, relata o auditor fiscal Raimundo Barbosa da Silva, que liderou a operação na Bonsucesso.
De acordo com o auditor, as provas recolhidas na fazenda são coerentes com o relato de tortura feito pelo trabalhador fugitivo, cujo nome permanece em sigilo. Os trabalhadores resgatados confirmam que ele deixou o alojamento para ir reclamar dos salários e nunca mais apareceu. Além disso, informam que nessa época não havia cicatrizes em seu corpo.
Nenhum dos 35 libertados em Paragominas tinha carteira assinada. A maior parte deles havia chegado em dezembro para fazer a limpeza do pasto para o gado, mas ainda não havia recebido salário. Em uma cantina mantida pela fazenda, eram vendidos fumo, sabonetes e equipamentos de proteção individual que, pela lei, devem ser fornecidos gratuitamente pelo empregador. Todo o gasto dos trabalhadores estava anotado em um caderno.
“Como não havia pagamento de salário, ainda não havia desconto [no salário]. Mas, pela nossa experiência, sabemos que essas anotações seriam usadas para cobrar do trabalhador”, explica Raimundo Barbosa.
A rescisão do contrato com os peões custou R$ 45 mil a Gilberto Andrade. De acordo com o procurador Ministério Público do Trabalho (MPT) Francisco Cruz, que acompanhou a fiscalização, o órgão ajuizará uma ação civil pública pedindo uma indenização por danos morais coletivos. Além disso, o fazendeiro também poderá responder na Justiça comum por outros crimes, caso seja comprovado que participou da tortura ao trabalhador denunciante.
A Repórter Brasil tentou localizar o fazendeiro para comentar o caso, mas ele não foi encontrado até o fechamento desta matéria.
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