Advogados
Vejam as razões pelas quais os juízes são contra a blindagem dos escritórios dos advogados.
Inviolabilidade dos escritórios de advocacia: Anamatra e entidades levam ao ministro Tarso Genro posição contrária ao PL 36/2006
(28/07/2008 - 19:14)
O diretor administrativo da Anamatra, João Bosco de Barcelos Coura, interinamente na presidência da entidade, e os diretores Marco Freitas e Luis Eduardo Casado, juntamente com mais oito entidades representativas da magistratura de do Ministério Público, entregaram hoje (28/07) ao Ministro da Justiça, Tarso Genro, Nota Técnica solicitando o veto total ao Projeto de Lei 36/2006, que altera o artigo 7º da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) e garante a inviolabilidade dos escritórios de advocacia.
O PL foi aprovado pelo Congresso Nacional e aguarda sanção do presidente Lula - que também recebeu a Nota Técnica -, até o dia 11 de agosto. O documento foi encaminhando ainda à Ministra-Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e ao Advogado-Geral da União, ministro José Antônio Dias Toffoli. Caso seja sancionado pelo presidente Lula, ficará proibido o cumprimento de mandados de busca e apreensão expedidos por magistrados durante investigações criminais em escritórios de advocacia. A única exceção ocorreria quando o próprio advogado for o investigado.
Para Tarso Genro, que agradeceu a iniciativa das entidades, a questão é importante e deverá ser analisada por vários aspectos. “É importante que se respeite as prerrogativas dos advogados, mas é necessário também que examine-se se as regras propostas favorecem ou não a impunidade”, afirmou o Ministro da Justiça.
Na Nota Técnica, as entidades reconhecem a necessidade de estudar a matéria, mas lembram que, antes de qualquer mudança, é indispensável a realização de "um debate amplo e profundo entre todos os segmentos da sociedade civil organizada e os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em busca de nova regulamentação sobre a matéria, que preserve a confiança da relação advogado-cliente sem inviabilizar a persecução penal".
*Confira abaixo a íntegra da Nota Técnica:*
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), Associação Nacional do Ministério Público Militar
(ANMPM), Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) e Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) solicitam a Vossa Excelência o veto total ao Projeto de Lei da Câmara n.º 36/2006, por mostrar-se inconstitucional e contrário ao interesse público, pelos motivos que passam a expor:
Na redação atual, o art. 7º, inciso II, da Lei n.º 8.906/94 - em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional - garante a inviolabilidade do escritório, ou do local de trabalho, do advogado, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo no caso de busca e apreensão determinada por magistrado e acompanhada por representantes da OAB.
Pela nova redação conferida ao citado dispositivo legal pelo PLC n.º 36/06, a garantia de inviolabilidade foi ampliada, tornando permitida a sua quebra, somente, quando o mandado de busca e apreensão tiver como objetivo buscar e apreender objetos e elementos de prova de crime praticado por parte do advogado (§ 6º) ou de seus clientes que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores (§ 7º).
Este projeto, caso se transforme em lei, inviabilizará a persecução penal que eventualmente envolver advogados, mas também tornará substancialmente mais fácil para os criminosos fazer uso de escritórios de advocacia - destes causídicos que também são criminosos - para esconder provas do cometimento de seus ilícitos, tornando-os imunes à ação da polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Dentro desse contexto, constata-se, de início, a inconstitucionalidade do projeto. Primeiro, porque o artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal já estabelece restrição à expedição e cumprimento de mandado de busca e apreensão, sem que se mencione qualquer ressalva quanto a algum lugar específico. Ou seja, a própria Constituição Federal não ousou colocar a salvo da persecução penal qualquer local ou ambiente, permitindo, em observância às suas normas e à legislação de regência, a expedição e o cumprimento de mandado de busca e apreensão onde se localizem objetos e demais provas de crimes. Caso seja sancionada por Vossa Excelência, esta lei criará uma nova exceção a ser adicionada àquela que já consta da Constituição Federal, inovando, via lei ordinária, uma matéria que já tem tratamento constitucional.
Segundo, porque a proteção à liberdade de defesa e do sigilo profissional proporcionada pelo Projeto de Lei n.º 36/2006 limita de forma desproporcional a prerrogativa constitucional dos órgãos estatais de promover a persecução das infrações penais, sendo certo que, inviabilizada a apreensão de objetos e outras provas de crimes, um número considerável de investigações se tornarão infrutíferas. Como será visto adiante, a legislação atualmente em vigor (Lei n.º 8.906/94 e Código de Processo Penal) já promove uma ponderação equilibrada entre a liberdade de defesa e a garantia do sigilo profissional de um lado e a efetivação da persecução penal de outro.
Ultrapassados os vícios de inconstitucionalidade, é de se ver que o Projeto de Lei n.º 36/2006 se apresenta totalmente contrário ao interesse público, ao estabelecer locais imunes à persecução penal, que, certamente, serão explorados pela crescente criminalidade organizada. É que a inviolabilidade assegurada pelo novo inciso II, do artigo 7º, da Lei n° 8.906/94, na redação dada pelo Projeto de Lei nº 36/2006, estaria com suas exceções devidamente constantes dos §§ 6º, 7º e 8º que lhe sucedem. Mas estes parágrafos não são suficientemente abrangentes e padecem de graves imperfeições redacionais que, afinal, tornam a mencionada "inviolabilidade do escritório", na prática, absoluta.
Vejamos os porquês:
Seria necessário que o projeto excepcionasse igualmente a possibilidade de busca e apreensão caso surgissem indícios de que o escritório do advogado estaria sendo utilizado por criminoso para ocultar provas da atividade criminosa, inclusive o corpo de delito ou o instrumento do crime.
A prevalecer o pretendido no projeto, por exemplo, não poderiam ser decretadas a busca e a apreensão em escritório de advogado mesmo se surgissem indícios veementes de que o local estaria sendo utilizado para ocultar a arma, um revólver ou uma faca, utilizada para a prática de um homicídio. Da mesma forma, um pedófilo, que registrasse em vídeo o abuso sexual de uma criança ou de um adolescente, poderia igualmente encontrar refúgio seguro desde que entregasse o material para ser guardado em um escritório de advocacia. Alguém que se dedicasse à prática de interceptações telefônicas ilegais, poderia igualmente ver-se salvo da investigação caso guardasse o resultado de seu trabalho no escritório de um advogado. Em nenhum desses casos o advogado estaria praticando um crime, e, portanto, não haveria, nos termos do projeto, a possibilidade de buscar e apreender tais materiais se fossem guardados no seu escritório, mesmo quando houvesse conhecimento certo e seguro a respeito de sua localização.
Mais sábio, razoável e consentâneo com a Constituição Federal de 1988 é o atual Código de Processo Penal - CPP, que, ao não estabelecer qualquer inviolabilidade do escritório do advogado, apenas ressalva a inadmissibilidade de apreensão de documento em poder do defensor do investigado, em homenagem à liberdade de defesa e à garantia de sigilo profissional. Mesmo aqui, porém, o CPP ressalvou a possibilidade de apreensão quando o documento constituir elemento do corpo de delito (art. 243, § 2.), garantindo, assim, a efetividade da persecução penal.
No § 6º do projeto, a exigência de que o mandado de busca e apreensão seja "específico e pormenorizado" não se ajusta à realidade da persecução criminal, apresentando-se, na verdade, como um obstáculo muitas vezes intransponível ao sucesso da investigação. Como saber de antemão, por exemplo, qual o número de computadores que existem em um escritório, de modo a descrevê-los "pormenorizadamente"? Como descrever, antecipadamente, em quais móveis se realizará a busca? Será necessário se dizer, exemplificativamente, que "fica deferido o mandado de busca e apreensão a ser realizado em uma estante de 1,50 m de altura por 2,0 m de largura, com 5 gavetas, que fica do lado direito da escrivaninha do advogado"? A impropriedade da proposição é patente.
Logo em seguida, dentro do mesmo § 6º, temos a vedação da utilização "dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes". Não está esclarecida, na redação do dispositivo, a que clientes ele está se referindo, o que se faz apenas no seguinte § 7º. Se o cliente em questão for partícipe ou co-autor do crime praticado pelo advogado, logicamente o mandado se estende ao mesmo e o material encontrado poderá ser utilizado como prova na persecução penal (§ 7º).
Chega-se, então, à conclusão de que o artigo se refere a clientes que não estão entre aqueles que são objeto daquela persecução penal, em participação ou co-autoria com o advogado investigado. Mas, e no caso de, durante o ato de busca e apreensão, o agente policial ou o Delegado de Polícia se deparar, por exemplo, com objetos utilizados na prática de crime ou documentos que comprovem a execução de delito por parte de um cliente que não é objeto específico daquela investigação, juntamente com o advogado? A polícia não poderá apreender os objetos e documentos? Como fica a determinação de que o inquérito policial, no caso de ação penal pública, deverá ser iniciado pela Autoridade Policial "de ofício" (artigo 5º., I, do CPP) e de que esta autoridade, ao ter conhecimento de um crime, tem o dever de "colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato" (artigo 6º., inciso III do CPP)? Deverá o agente policial ou Delegado "fingir que não viu" a prova do crime?
O § 8º, na prática, inviabiliza totalmente a execução dos mandados de busca e apreensão em escritórios, ao dizer que a quebra de inviolabilidade somente poderá se referir ao local e aos instrumentos privativos de trabalho do advogado averiguado. A persecução penal do advogado criminoso será impossível. Bastará ele ter um sócio e, ao tomar conhecimento de que pode eventualmente ocorrer o cumprimento de um mandado de busca e apreensão, colocar toda a documentação que o incrimina na gaveta ou no armário deste sócio. Com a chegada da políicia, bastará dizer que tal móvel, ou tal cofre, não lhe pertence, mas sim ao seu sócio e, portanto, não pode ser verificado pelos policiais em cumprimento ao mandado de busca e apreensão.
Em resumo, da forma como está redigido, o diploma legal termina por conferir aos clientes do advogado inviolabilidade de tal grandeza que nem mesmo a ordem judicial poderá determinar acesso aos objetos utilizados na prática de crime e aos documentos que comprovem a sua execução, que estejam guardados em escritório de advocacia, em flagrante contrariedade ao interesse público.
Insta consignar, no que se refere à restrição na atuação da autoridade judiciária para expedir mandados de busca e apreensão, que a inviolabilidade que se pretende assegurar aos escritórios de advocacia pelo Projeto em comento não encontra similares na ordem constitucional e legal vigente em relação a outros órgãos públicos ou privados detentores de informações sigilosas de terceiros, como é o caso das instituições financeiras, de saúde, de ensino, de imprensa ou mesmo das casas legislativas.
É forçoso reconhecer que é necessário proteger a relação advogado-cliente de indevidas ou excessivas intromissões estatais, como garantia de princípios constitucionais inarredáveis como o devido processo legal e a ampla defesa. Entretanto, o Projeto de Lei da Câmara n.º 36/2006, sob o fundamento de fortalecer essa relação, peca por estabelecer uma inviolabilidade inconstitucional e contrária à ordem pública em favor dos escritórios de advocacia.
Vale frisar que, caso sancionado o projeto na forma como encaminhado pelo Senado Federal, corre-se o risco, inclusive, de que criminosos desejosos de ocultar sua atividade delituosa busquem transformar advogados em depositários de provas de toda a espécie, incluindo o corpo
de delito e instrumentos do crime. Expõe-se, aliás, a profissão a risco, pois criminosos podem valer-se de meios coercitivos para conseguir que advogados disponibilizem seus escritórios, às vezes mesmo contra sua vontade, para ocultar atividades criminais.
Em suma, estes os motivos – prementes e de extrema gravidade – que fazem com que as entidades abaixo requeiram à Vossa Excelência, já que não há possibilidade no momento dos reparos ou reajustes necessários no âmbito do Poder Legislativo, o VETO TOTAL do Projeto de Lei da Câmara n. 36/2006, aprovado pelo Parecer n. 659/2008, do Senado Federal, sem prejuízo de se iniciar um debate amplo e profundo entre todos os segmentos da sociedade civil organizada e os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em busca de nova regulamentação sobre a matéria, que preserve a confiança da relação advogado-cliente sem inviabilizar a persecução penal.
O PL foi aprovado pelo Congresso Nacional e aguarda sanção do presidente Lula - que também recebeu a Nota Técnica -, até o dia 11 de agosto. O documento foi encaminhando ainda à Ministra-Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e ao Advogado-Geral da União, ministro José Antônio Dias Toffoli. Caso seja sancionado pelo presidente Lula, ficará proibido o cumprimento de mandados de busca e apreensão expedidos por magistrados durante investigações criminais em escritórios de advocacia. A única exceção ocorreria quando o próprio advogado for o investigado.
Para Tarso Genro, que agradeceu a iniciativa das entidades, a questão é importante e deverá ser analisada por vários aspectos. “É importante que se respeite as prerrogativas dos advogados, mas é necessário também que examine-se se as regras propostas favorecem ou não a impunidade”, afirmou o Ministro da Justiça.
Na Nota Técnica, as entidades reconhecem a necessidade de estudar a matéria, mas lembram que, antes de qualquer mudança, é indispensável a realização de "um debate amplo e profundo entre todos os segmentos da sociedade civil organizada e os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em busca de nova regulamentação sobre a matéria, que preserve a confiança da relação advogado-cliente sem inviabilizar a persecução penal".
*Confira abaixo a íntegra da Nota Técnica:*
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), Associação Nacional do Ministério Público Militar
(ANMPM), Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) e Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) solicitam a Vossa Excelência o veto total ao Projeto de Lei da Câmara n.º 36/2006, por mostrar-se inconstitucional e contrário ao interesse público, pelos motivos que passam a expor:
Na redação atual, o art. 7º, inciso II, da Lei n.º 8.906/94 - em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional - garante a inviolabilidade do escritório, ou do local de trabalho, do advogado, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo no caso de busca e apreensão determinada por magistrado e acompanhada por representantes da OAB.
Pela nova redação conferida ao citado dispositivo legal pelo PLC n.º 36/06, a garantia de inviolabilidade foi ampliada, tornando permitida a sua quebra, somente, quando o mandado de busca e apreensão tiver como objetivo buscar e apreender objetos e elementos de prova de crime praticado por parte do advogado (§ 6º) ou de seus clientes que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores (§ 7º).
Este projeto, caso se transforme em lei, inviabilizará a persecução penal que eventualmente envolver advogados, mas também tornará substancialmente mais fácil para os criminosos fazer uso de escritórios de advocacia - destes causídicos que também são criminosos - para esconder provas do cometimento de seus ilícitos, tornando-os imunes à ação da polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Dentro desse contexto, constata-se, de início, a inconstitucionalidade do projeto. Primeiro, porque o artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal já estabelece restrição à expedição e cumprimento de mandado de busca e apreensão, sem que se mencione qualquer ressalva quanto a algum lugar específico. Ou seja, a própria Constituição Federal não ousou colocar a salvo da persecução penal qualquer local ou ambiente, permitindo, em observância às suas normas e à legislação de regência, a expedição e o cumprimento de mandado de busca e apreensão onde se localizem objetos e demais provas de crimes. Caso seja sancionada por Vossa Excelência, esta lei criará uma nova exceção a ser adicionada àquela que já consta da Constituição Federal, inovando, via lei ordinária, uma matéria que já tem tratamento constitucional.
Segundo, porque a proteção à liberdade de defesa e do sigilo profissional proporcionada pelo Projeto de Lei n.º 36/2006 limita de forma desproporcional a prerrogativa constitucional dos órgãos estatais de promover a persecução das infrações penais, sendo certo que, inviabilizada a apreensão de objetos e outras provas de crimes, um número considerável de investigações se tornarão infrutíferas. Como será visto adiante, a legislação atualmente em vigor (Lei n.º 8.906/94 e Código de Processo Penal) já promove uma ponderação equilibrada entre a liberdade de defesa e a garantia do sigilo profissional de um lado e a efetivação da persecução penal de outro.
Ultrapassados os vícios de inconstitucionalidade, é de se ver que o Projeto de Lei n.º 36/2006 se apresenta totalmente contrário ao interesse público, ao estabelecer locais imunes à persecução penal, que, certamente, serão explorados pela crescente criminalidade organizada. É que a inviolabilidade assegurada pelo novo inciso II, do artigo 7º, da Lei n° 8.906/94, na redação dada pelo Projeto de Lei nº 36/2006, estaria com suas exceções devidamente constantes dos §§ 6º, 7º e 8º que lhe sucedem. Mas estes parágrafos não são suficientemente abrangentes e padecem de graves imperfeições redacionais que, afinal, tornam a mencionada "inviolabilidade do escritório", na prática, absoluta.
Vejamos os porquês:
Seria necessário que o projeto excepcionasse igualmente a possibilidade de busca e apreensão caso surgissem indícios de que o escritório do advogado estaria sendo utilizado por criminoso para ocultar provas da atividade criminosa, inclusive o corpo de delito ou o instrumento do crime.
A prevalecer o pretendido no projeto, por exemplo, não poderiam ser decretadas a busca e a apreensão em escritório de advogado mesmo se surgissem indícios veementes de que o local estaria sendo utilizado para ocultar a arma, um revólver ou uma faca, utilizada para a prática de um homicídio. Da mesma forma, um pedófilo, que registrasse em vídeo o abuso sexual de uma criança ou de um adolescente, poderia igualmente encontrar refúgio seguro desde que entregasse o material para ser guardado em um escritório de advocacia. Alguém que se dedicasse à prática de interceptações telefônicas ilegais, poderia igualmente ver-se salvo da investigação caso guardasse o resultado de seu trabalho no escritório de um advogado. Em nenhum desses casos o advogado estaria praticando um crime, e, portanto, não haveria, nos termos do projeto, a possibilidade de buscar e apreender tais materiais se fossem guardados no seu escritório, mesmo quando houvesse conhecimento certo e seguro a respeito de sua localização.
Mais sábio, razoável e consentâneo com a Constituição Federal de 1988 é o atual Código de Processo Penal - CPP, que, ao não estabelecer qualquer inviolabilidade do escritório do advogado, apenas ressalva a inadmissibilidade de apreensão de documento em poder do defensor do investigado, em homenagem à liberdade de defesa e à garantia de sigilo profissional. Mesmo aqui, porém, o CPP ressalvou a possibilidade de apreensão quando o documento constituir elemento do corpo de delito (art. 243, § 2.), garantindo, assim, a efetividade da persecução penal.
No § 6º do projeto, a exigência de que o mandado de busca e apreensão seja "específico e pormenorizado" não se ajusta à realidade da persecução criminal, apresentando-se, na verdade, como um obstáculo muitas vezes intransponível ao sucesso da investigação. Como saber de antemão, por exemplo, qual o número de computadores que existem em um escritório, de modo a descrevê-los "pormenorizadamente"? Como descrever, antecipadamente, em quais móveis se realizará a busca? Será necessário se dizer, exemplificativamente, que "fica deferido o mandado de busca e apreensão a ser realizado em uma estante de 1,50 m de altura por 2,0 m de largura, com 5 gavetas, que fica do lado direito da escrivaninha do advogado"? A impropriedade da proposição é patente.
Logo em seguida, dentro do mesmo § 6º, temos a vedação da utilização "dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes". Não está esclarecida, na redação do dispositivo, a que clientes ele está se referindo, o que se faz apenas no seguinte § 7º. Se o cliente em questão for partícipe ou co-autor do crime praticado pelo advogado, logicamente o mandado se estende ao mesmo e o material encontrado poderá ser utilizado como prova na persecução penal (§ 7º).
Chega-se, então, à conclusão de que o artigo se refere a clientes que não estão entre aqueles que são objeto daquela persecução penal, em participação ou co-autoria com o advogado investigado. Mas, e no caso de, durante o ato de busca e apreensão, o agente policial ou o Delegado de Polícia se deparar, por exemplo, com objetos utilizados na prática de crime ou documentos que comprovem a execução de delito por parte de um cliente que não é objeto específico daquela investigação, juntamente com o advogado? A polícia não poderá apreender os objetos e documentos? Como fica a determinação de que o inquérito policial, no caso de ação penal pública, deverá ser iniciado pela Autoridade Policial "de ofício" (artigo 5º., I, do CPP) e de que esta autoridade, ao ter conhecimento de um crime, tem o dever de "colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato" (artigo 6º., inciso III do CPP)? Deverá o agente policial ou Delegado "fingir que não viu" a prova do crime?
O § 8º, na prática, inviabiliza totalmente a execução dos mandados de busca e apreensão em escritórios, ao dizer que a quebra de inviolabilidade somente poderá se referir ao local e aos instrumentos privativos de trabalho do advogado averiguado. A persecução penal do advogado criminoso será impossível. Bastará ele ter um sócio e, ao tomar conhecimento de que pode eventualmente ocorrer o cumprimento de um mandado de busca e apreensão, colocar toda a documentação que o incrimina na gaveta ou no armário deste sócio. Com a chegada da políicia, bastará dizer que tal móvel, ou tal cofre, não lhe pertence, mas sim ao seu sócio e, portanto, não pode ser verificado pelos policiais em cumprimento ao mandado de busca e apreensão.
Em resumo, da forma como está redigido, o diploma legal termina por conferir aos clientes do advogado inviolabilidade de tal grandeza que nem mesmo a ordem judicial poderá determinar acesso aos objetos utilizados na prática de crime e aos documentos que comprovem a sua execução, que estejam guardados em escritório de advocacia, em flagrante contrariedade ao interesse público.
Insta consignar, no que se refere à restrição na atuação da autoridade judiciária para expedir mandados de busca e apreensão, que a inviolabilidade que se pretende assegurar aos escritórios de advocacia pelo Projeto em comento não encontra similares na ordem constitucional e legal vigente em relação a outros órgãos públicos ou privados detentores de informações sigilosas de terceiros, como é o caso das instituições financeiras, de saúde, de ensino, de imprensa ou mesmo das casas legislativas.
É forçoso reconhecer que é necessário proteger a relação advogado-cliente de indevidas ou excessivas intromissões estatais, como garantia de princípios constitucionais inarredáveis como o devido processo legal e a ampla defesa. Entretanto, o Projeto de Lei da Câmara n.º 36/2006, sob o fundamento de fortalecer essa relação, peca por estabelecer uma inviolabilidade inconstitucional e contrária à ordem pública em favor dos escritórios de advocacia.
Vale frisar que, caso sancionado o projeto na forma como encaminhado pelo Senado Federal, corre-se o risco, inclusive, de que criminosos desejosos de ocultar sua atividade delituosa busquem transformar advogados em depositários de provas de toda a espécie, incluindo o corpo
de delito e instrumentos do crime. Expõe-se, aliás, a profissão a risco, pois criminosos podem valer-se de meios coercitivos para conseguir que advogados disponibilizem seus escritórios, às vezes mesmo contra sua vontade, para ocultar atividades criminais.
Em suma, estes os motivos – prementes e de extrema gravidade – que fazem com que as entidades abaixo requeiram à Vossa Excelência, já que não há possibilidade no momento dos reparos ou reajustes necessários no âmbito do Poder Legislativo, o VETO TOTAL do Projeto de Lei da Câmara n. 36/2006, aprovado pelo Parecer n. 659/2008, do Senado Federal, sem prejuízo de se iniciar um debate amplo e profundo entre todos os segmentos da sociedade civil organizada e os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em busca de nova regulamentação sobre a matéria, que preserve a confiança da relação advogado-cliente sem inviabilizar a persecução penal.
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