Ai de ti, Belém! (2)

No dia 17 de dezembro de 2009 os jornais de Belém publicaram o resultado de um levantamento feito pelo IDESP que mostrava para todo mundo ver o que os olhos do senso comum já vinham vendo há tempos: a pobre Belém tem o quarto pior PIB per capita dentre as capitais brasileiras.
Na noite anterior eu publicara aqui dois posts fazendo comparações entre Pará e Amazonas, Belém e Manaus.Itálico As comparações eram adversas a Belém. Por isso quando repercuti as tabulações do IDESP dei ao post o mesmo título deste, uma citação óbvia da famosa crônica de Rubem Braga sobre Copacabana.
Nesse mesmo dia 17 de dezembro de 2009, no centro de Belém, criminosos e policiais trocaram tiros. Morreram um criminoso e um policial no primeiro momento, e mais dois criminosos depois. As imagens foram divulgados no noticiário nacional das televisões. Resolvi então escrever uma série de ensaios sobre Belém, com esse mesmo título. Se vou publicar ou não, decidirei depois. Afinal, não tenho muita esperança que eles sejam lidos e muito menos considerados, pelo menos por quem precisaria lê-los e considerá-los.
O primeiro desses ensaios é dedicado à falência da cidade.
O raquítico PIB per capita de Belém (R$9.793,00) e a mais raquítica ainda receita pública per capita (R$2,00/por dia) não deixam dúvidas: Belém está falida.
Tomando Porto Alegre como referência, por ter ela população (1,4 milhão de habitantes) e sítio urbano assemelhado ao de Belém, constato que um orçamento anual de 2,6 bilhões de reais (receitas orçamentárias realizadas de 2007 por Porto Alegre, conforme o IBGE) é o mínimo razoável para manter uma cidade desse porte.
As receitas orçamentarias realizadas de 2007 por Belém mal chegaram a 1,218 bilhão de reais. É menos da metade das receitas de Porto Alegre. Assim, a cada ano falta ao governo municipal de Belém, qualquer que seja ele, alguma coisa como 1,4 bilhão de reais para fechar essa conta. Esse é o valor exato que todo ano falta à cidade de Belém para pagar as contas necessárias para uma vida minimamente decente em uma cidade de 1,4 milhão de habitantes. Como falta, e falta mesmo, não tendo a cidade de onde tirar toda essa dinheirama, o resultado é a degradação do sítio urbano, dos serviços urbanos, da qualidade de vida e do Índice de Desenvolvimento Humano - IDH de Belém. Por isso Belém está falida, quebrada mesmo. Mais que um prefeito, Belém precisa de um administrador de massa falida. Não é a primeira vez que uma cidade quebra. Nova Iorque já quebrou, percebeu que quebrou e fez o que tinha que ser feito para recuperar-se. E efetivamente recuperou-se. Nada indica que Belém vá fazer a mesma coisa. Belém pensa que está bem. O mecanismo que impede a percepção da dura realidade é conhecido. Cada candidato a Prefeito finge ignorar essa realidade e faz sua campanha escondendo esse número básico, elementar, mas adverso. O milagre do marketing eleitoral contamina a eleição e só resta ao eleito continuar enganando os eleitores e, agora, os administrados. Incapaz de completar o orçamento com o que falta - 1,4 bilhão de reais - o prefeito eleito completa com doses maciças de propaganda, o que faz a delícia dos meios de comunicação de massa que, afinal, vivem disso. O resultado é que o prefeito, os secretários municipais e a própria população acreditam no que a propaganda diz e que é possível manter a cidade com esse monumental deficit. Todos se enganam, enganam e são enganados. A cada quatro anos o mecanismo é realimentado, empobrecendo os termos do debate até o número adverso simplesmente desaparecer, como se inexistente fosse. Nas campanhas ou fora delas, não se trata dessa pobreza orçamentária. O tema e seu debate são interditados, a qualquer tempo, ressalvada a blogosfera, onde, justiça se lhe faça, ambos são possíveis, a qualquer tempo.
A pobreza financeira da cidade induz uma pobreza de espírito. E dos espíritos. A cidade falida é a mesma em que vivemos nós, de classe média, em habitáculos bem protegidos (carros, casas, apartamentos, escritórios, lojas, shoppings ou supermercados) que nos isolam da realidade, da qual só tomamos conhecimento pelas notícias dos jornais e das televisões, como aconteceu com o tiroteio do dia 17 de dezembro de 2009.
Se quisermos efetivamente superar, vencer os problemas de Belém, a primeira atitude a tomar é reconhecer e declarar sua falência.
Só assim começaremos a pensar em como recuperar uma cidade falida.
Enquanto isso não acontecer, ai de ti, Belém!

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