Notícias de Iquitos (3)

6 de dezembro de 2009, domingo.
Em Iquitos todo domingo é dia de parada militar na Plaza de Armas, cedinho, para hastear a bandeira nacional. Isso atrasou meu traslado do hostal para a agência onde começaria um rápido passeio pela cidade. Melhor, pois assim tivemos todos a oportunidade de ver as guarnições militares e os estudantes prestando sua patriótica homenagem à bandeira.
Antes que começasse a cerimônia, saímos da Plaza e demos uma voltinha pelo malecón. Um trecho dele tem o nome de Boulevard, como em Belém. Rastros do Barão de Haussmann em plena Amazônia Peruana. O passeio começa na frente da agência, na casa de ferro projetada e construida por Gustave Eiffel, para a Exposição Universal de 1890. A casa já viveu dias melhores. Iquitos e Belém também. Assim como Belém cem anos atrás tinha as tecnologias mais avançadas da época, Iquitos também. Tinha até um trem suburbano. Hoje tem uma horda selvagem de mototáxis em triciclos. Menos selvagens que os nossos, que ainda aceitamos sejam mototáxis de duas rodas.
Os muitos prédios dos tempos da bonanza cauchera são patrimônio nacional. Alguns estão muito bem cuidados. Outros estão mutilados. Mas a situação de Iquitos nesse quesito é muito melhor que a de Belém, apesar da pobreza da cidade. Em Iquitos retornei quarenta anos atrás, quando cheguei a Belém e nas nossas baixadas as casas ainda eram cobertas de palha. Em Iquitos bairros inteiros - inclusive o mais pitoresco, Belén - tem suas casas cobertas de palha.
Depois do passeio pela cidade fomos de mototáxi para o porto. Iquitos, na verdade, fica às margens do rio Itaya (veja aqui). É por ele que navegamos alguns metros até o Amazonas, onde a água muda de cor, como na frente de Manaus. Descemos cerca de quarenta quilômetros até o lodge Cumaceba. Nosso grupo tem uma sevilhana, dois sevilhanos, dois casais de Lima (um deles é espanhol) e duas coreanas. Desembarcamos e caminhamos por uma ponte coberta de palha até o lodge, formado por um restaurante, duas cabanas com redes e diversos bungalows cobertos de palha. Uma árvore cheia de ninhos de japiim fazem a festa dos visitantes. Um papagaio portador de necessidades especiais - mutilaram-lhe uma das patas - faz companhia para uma arara canindé. O guia, Luis, é neto de manauaras (daí o sobrenome Guimarães). Somos recebidos com um refresco de camu-camu e apresentados a fruta propriamente dita.
Caminhamos por uma trilha no igapó (o lodge aluga botas a dez soles, sete reais). Nada muito excepcional, pois na verdade era uma capoeira, um bosque secundário, mas para europeus ou limenhos, tudo parecia fantástico. Serviu para abrir o apetite antes do almoço (peixe). O palmito de açaí é desfiado como se fosse um fino talharim e o efeito é ótimo. Gostei. Banana é o acompanhamento obrigatório. Também gostei.
A tarde saímos para visitar um minizoo em que moradores locais recolhem animais maltratados e cuidam deles para deleite dos turistas: macacos, quatis, jacaré, preguiça, tucano e uma sucuri. É a garantia de que esses animais serão vistos de qualquer modo. Pepe, um jovem macaco, faz a festa. Outro confraterniza com os cachorros da casa. No final da visita oferecem-nos uma bebida como superpoderes (siete raíces).
Tomamos o barco - aqui todos os barcos são movidos a rabetas - e fomos ver os botos (aqui chamados bufeos). Sorte.
Regressamos a tempo de ver um belíssimo crepúsculo sobre o Amazonas.
A iluminação é a candeeiro (a queresone). Retornei no tempo quarenta anos atrás, em Bragança, quando a luz chegava mais ou menos seis horas da tarde e ia embora - luz era uma entidade que se movia - antes das dez da noite.
Antes do jantar fomos à laguna que fica atrás do lodge. No caminho somos apresentado a uma aranha caranguejeira, que logo é transformada em tarântula.
A laguna é belíssima. O quarto minguante garante um céu estrelado. Lembro das noites no Caminho Inca, em plena lua cheia. A lagoa é coberta de ninféias. Fico com a impressão que se Claude Monet tivesse conhecido esta laguna, Les Nymphéas seria bem diferente. Os sons noturnos - rãs, grilos e aves noturnas - são fantásticos. Luis se esforça para valorizar cada detalhe. Os jacarés - lagartos, dizem aqui - mostram os olhinhos e fogem. Perto do Pantanal, isto aqui é pouco mais que nada em termos de jacarés. Mas para o segundo grupo - que visitou a laguna depois do jantar - Luis conseguiu pegar um deles pelo pescoço.
Vendo o que vejo aqui, percebo que o Pará perdeu o nicho do turismo ecológico para Manaus, Iquitos e Puerto Maldonado.
O jantar foi excelente.
Valeu este primeiro dia na selva amazônica peruana.

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