Portal da Amazônia ou Via Metrópole?

O Plano Diretor de Transporte Urbano da Região Metropolitana de Belém - PDTU/RMB já está na segunda versão, denominada Via Metrópole para fins de marketing (institucional e eleitoral).
Uma geração inteira de jovens urbanistas formou-se e amadureceu profissionalmente cuidando desse tema (alguns deles já estão encanecendo). Acumulou-se conhecimento e capital intelectual nada desprezível.
Na última eleição o candidato vitorioso prometia, ao vivo, no rádio e na TV, que implantaria o Via Metrópole. Empossado, esqueceu a promessa e tomou-se de desmedidos - mas explicáveis - amores por um outro projeto, denominado Portal da Amazônia (http://www.belem.pa.gov.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=1820&Itemid=92).
Vi a deslumbrante maquete eletrônica do Portal da Amazônia. Comparei com os mapas do PDTU/RMB (Via Metrópole), elaborados com menos recursos de computação gráfica. Mesmo com o uso do simples senso comum - como convém nestes tempos pós-modernos - é evidentíssimo que os benefícios do PDTU são muito mais amplos que os do Portal da Amazônia, pois o primeiro afeta positivamente toda a população da Região Metropolitana e o segundo apenas parte dela (ainda assim nem sempre positivamente).
Se fosse possível fazer os dois ao mesmo tempo, seria ótimo. Mas não é. O Governo Municipal tem que fazer uma escolha. Escolha pública. E fez. A pior, como demonstram as impressões abaixo - que reduzi a termo, como se diz em juridiquês - de um urbanista experimentado e com muita quilometragem em PDTU e em planejamento metropolitano.

Disse-me ele o seguinte:

O que procurei evidenciar foram “impressões” detectadas a partir das imagens, pois não consegui nenhuma informação técnica no site da Prefeitura, sobre o Projeto Portal da Amazônia.
O que se depreende da maquete eletrônica é que o Portal se configura, muito mais, como uma “Operação de Plástica Urbanística” do que um projeto de estruturação urbana. Tal operação, embora necessária, na atual conjuntura não deveria se constituir em prioridade da Administração Municipal, tendo em vista que a cidade apresenta problemas urbanos mais urgentes e estruturais a serem enfrentados (transporte público, por exemplo).
Por outro lado, a despeito dessa ação se “fisificar” em uma área de abrangência territorial bastante significativa, pouca repercussão trará para a melhoria da estruturação urbana (da cidade), sobretudo se considerarmos a questão da acessibilidade e mobilidade urbana.
A Prefeitura está intervindo em áreas de pouca expressividade estrutural, interligando o “nada” (Mangal das Garças) a “coisa nenhuma” (UFPA), embora a Universidade se constitua, num certo aspecto, em um importante pólo gerador de fluxo de pessoas, embora nem sempre esse fluxo se dirija para o Centro.
Entretanto, ao integrar e/ou deslocar o fluxo de pessoas, mesmo que parcialmente, para o Centro desestruturado e desqualificado, o Poder Público em nada contribui para a melhoria da qualidade de vida da cidade, muito pelo contrario, provavelmente estará potencializando os graves problemas que hoje se manifestam na área, como a desordem no uso dos espaços públicos (camelôs), congestionamentos, estacionamento desordenado nas vias públicas, poluição visual, depredação do patrimônio histórico, dentre outros. A operação de “embelezamento”, nesse contexto, poderá sair pela culatra, a despeito dos significativos gastos de recursos públicos.
Ações pontuais e desarticuladas, quando se trata de operações urbanas, via de regra, estão fadadas ao fracasso.
Por outro lado, se analisarmos o projeto descontextualizando-o da cidade como um todo, também aqui veremos que os benefícios do Portal para a população residente no seu entorno são absolutamente questionáveis. Problemas mais prementes como saneamento ambiental, habitação, regularização fundiária, dentre outros, deveriam se constituir na prioridade de ação do Poder Público municipal, para só num segundo momento se preocupar com tais operações de “embelezamento”.
Priorizar essa urbanização descabida no contexto de pobreza e de exclusão urbana na qual o projeto se insere se configura, no mínimo, como irresponsabilidade no trato do dinheiro público.

Comentários

Anônimo disse…
Dr. Alencar, continuo lendo com freqüência e satisfação seu blog e para minha surpresa meu afilhado também tem um que gostaria de indicar http://noticiasdelugarnenhum.blogspot.com/ abraços. Erika Bechara.
Yúdice Andrade disse…
Caro Alencar, muitíssimo feliz a postagem, cuja leitura recomendarei em meu blog, já que a considero essencial a todas as pessoas que pensam em Belém com uma visão de futuro. Um futuro maior que outubro de 2008.
David Carneiro disse…
Caro Alencar, essa discussão é de suma importância para o desenvolvimento de nossa cidade. É preciso que a prioridade dos investimentos seja discutida no plano diretor, que, infelizmente, está sendo construído sem o debate democrático necessário. Um grande abraço.
JOSE MARIA disse…
Caríssima Érika,
Caríssimos Yúdice e David.

Obrigado pela leitura, pelos comentários e pela divulgação.

É importante debater esse tema que interessa a todos os cidadãos.

Os que são operadores do direito tem interesse - e obrigação - adicional, que é fazer da luta pela legalidade uma luta pela cidadania.

Nestes casos já está passando da hora de provocar o Ministério Público e o Judiciário
JOSE MARIA disse…
Amiga e amigos.

Por adição: está na hora de promover a revisão judicial das políticas públicas, nos marcos e limites do neoconstitucionalismo (o triunfo tardio do Direito Constitucional, como diz Barroso).
HMVA disse…
Alencar, fico feliz em ter achado este Blog. Sou um defensor e entusiasta desta cidade. este assunto do Via Metrópole tenho acompanhado relativamente de perto por uns 6 anos, desde que entrei na esccola de Arquitetura e Urbanismo, tive como professor o coordenador do Via Metrópole, e vi várias exposições do plano.

No Pará, e Belém plantam-se rosas em charcos, embelezam estruturas podres. Quando o trabalho deveria ser na base de tudo.

Não temos como ter um belíssimo Centro de Convenções, ou uma Orla legal, sem que o povo saiba o que isso será, sem um transporte público respeitável, sem uma educação cívica consistente. Temos problemas muuuito maiores e prioritários para solucionar.

Isso me entristece profundamente.


Se tiver interesse passe e me faça uma visita. Busco alfinetar nossos problemas prioritários também no meu blog. Quem sabe possamos construir uma ponte de colaboração.

http://belemcentro.blogspot.com

Saudações.
Olá pessoal...
Dando uma pesquisada sobre o Via MEtrópole, ´vejo que nada saiu do papel... Estudei isso na universidade e já estou farmado há 2 anos e continua do mesmo jeito...
Alguém tem alguma notícia mais atual e que se possível me alegre?

Cômico se não fosse trágico...

Estou começando a pesquisar sobre esse assunto e só me deparo com notícias de 2004, 2005...

Abraços e parabéns pelos comentários.
JOSE MARIA disse…
Prezado Rodrigo.

Muito obrigado pelo comentário.
Infelizmente, o Via Metrópole - o nome para fins de marketing do velhíssimo Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU) - só apareceu na primeira eleição do atual prefeito de Belém e sumiu na segunda.
Sumiu compreensivelmente porque não tinha como repetir o marketing. Foi preciso inventar o Portal Amazônia para a mesma finalidade e com erros conceituais (em termos de escolha pública é uma escolha errada, pois a escolha certa seria o PDTU). E mesmo o Portal, só um kilômetro foi feito, ainda assim com problemas já conhecidos.
Esse é um Plano para muitos e sucessivos governos e gerações, que precisa pelo menos ser começado para poder ser continuado.
Algumas soluções ficaram até obsoletas nesse meio tempo, pelo avanço das tecnologias de informação e comunicações (TICs).
Seu professor cuida desse tema desde que ele próprio era um jovem arquiteto e agora já está grisalho e formou pelo menos uma geração inteira de urbanistas.

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