Notícias do Caminho - de Negreira a Olveiroa

17 de maio de 2010, segunda-feira. Acordamos muito cedo e saímos ainda no escuro, usando a lanterna para encontrar as setas e os marcos (mojones). A alvorada fica nas nossas costas, mas sempre me volto um intante para ter a felicidade de ver o sol lentamente tingir de vermelho a linha do horizonte. É um momento mágico, pois ainda há estrelas no céu e uma delas aponta para o Ocidente, rumo a Finisterre. Logo as flores sao banhadas por um sol avermelhado e depois dourado mesmo. Os avioes deixam um risco avermelhado no ceu. Mas logo o risco é branco contra um imenso céu azul da primavera galega. Nossas sombras compridas agora estao à nossa esquerda, mas logo o rumo é corrigido e elas ficam a nossa frente, onde deveriam estar. Continuamos em um regiao leiteira, mas nas partes mais inclinadas dos montes existem bosques de eucalipto e pinho. A paisagem vai mudando e pressentimos a proximidade do mar. Os hórreos se sucedem, cada um mais caprichoso que o outro. Eles sao o grande marco da arquitetura rural da Galícia e até os abrigos das paradas de ônibus tem forma de hórreos (ou espigueira, como se diz em Portugal). As aldeias tem nomes sonoramente galegos: Zas, Rapote, Portocamino, Vilaserio, Cornado, Maronas, Bon Xesus, Gueima, Vilar de Castro, Lago, Portelinas, Abeleiroas e Ponteolveira (onde tem um modernoso restaurante de beira de estrada, logo depois da ponte).
Depois de uma da tarde chegamos ao albergue de Olveiroa, que ainda está fechado.
Colocamos nossas mochilas na fila e nos alongamos. Logo chega Puri, hospitalera, a mesma que nos atendeu em 2007, com um pouco mais de idade.
Ao ver minha credencial ela simplesmente me reconhece e pergunta por Araceli. Impressionante. Expliquei que Araceli nao pode vir e eu estou caminhando também por ela. Puri me dá um postal, como fez com todos os peregrinos, que peço para ela fazer uma dedicatória para Araceli, o que ela fez com suave alegria. Fomos os últimos e ela foi procurar camas baixas para nós. Disse que se nao tivesse, ela ia me colocar na cama para portadores de necessidades especiais porque eu estava doente do coraçao...
Coisas do Caminho. Que fazem-no simplesmente inesquecível e uma vivência única.
Vamos ao restaurante As Pias, onde estivemos em 2007. Reencontro Paco, o jovem proprietário. Pergunto pelo seu filhinho, Mateo. Ele diz que Mateo cresceu muito. O restaurante agora tem bar, terraço e uma pensao rural. Que bom! É o Caminho fazendo milagres econômicos, pois Olveiroa nao deve ter mais que cinquenta habitantes e este restaurante faria bonito em Belém ou qualquer das nossas capitais. Perguntei se ele tinha carrilheira (bochecha da vaca). Nao tinha. Saiu do cardápio. Mas o menu era caldo galego e cocido galego, com um vinho jovem. A sobremesa é uma torta caseira de abacaxi. De brinde, um chupìto de Orujo seco (licor). Imperdíveis. Voltarei ao Caminho também por isso.
Meu companheiro de Caminho gostou da salada. Voltei no jantar para experimentar. Além do atum, Paco incrementou com um cinco boqueirones. Estav imperdível e me deu certeza de que assim alimentado do corpo e da alma chegarei amanha a Finisterre, 35 km mais adiante.
Volto para o albergue e fico frustrado por nao reencontrar a hospitalera Puri.
Mas soube que reapareceu Aranya, uma escritora coreana que vive na Índia. E o casal de peregrinos de Florianópolis também chegara. Dividimos outra vez o álcool de romero e indicamos o restaurante do Paco.
E dormi na paz do albergue que, picaresca a parte, é outra vivência importantíssima do Caminho.
A verdade é que a cada quilômetro que me aproximo de Finisterre vou ficando com saudade e vontade de voltar.
Hoje tive a certeza que voltarei. Muitas vezes.

Comentários

Postagens mais visitadas