Notícias do Caminho - de Olveiroa a Finisterre
18 de maio de 2010, terça-feira. Mais uma vez saímos cedo do albergue para enfrentar os 35 km até Finisterre (mais três quilômetros até o farol, ida e volta, caminharemos 41 km hoje). A lanterna nos poe no rumo certo e o sol logo aparece. Os montes nao nos deixam contemplar o nascer do sol, que apenas advinhamos. Logo o céu está azul e a luz dourada banha a paisagem. Contra o fundo desse profundo céu azul da manha se recortam dezenas de moinhos de vento, que vistos assim pela manha parecem espalhados caprichosamente por crianças nos todos dos montes. É uma forma limpa e bonita de produzir energia elétrica, que aqui na Espanha convive com a feiura das termelétricas, inclusive a de Hospital, que logo alcançamos. No bar o aviso: este é o último nos próximos 15 km. Nao é aviso, é ameaça. Tomamos café e chocolate com biscocho (na verdade, um bolo forte de trigo). E caminhamos 15 km pelo sobe e desde dos montes passando apenas por ermidas (de Nossa Senhora das Neves e de San Pedro Mártir).
Logo aparece uma nesga de mar à nossa esquerda, escondido na névoa. E numa quebrada, conseguimos divisar o cabo de Finisterre na linha do horizonte, com Ceé e Corcubión no meio. A trilha sobre as pedras montanha abaixo nos leva a Ceé, uma linda cidade que ocupa os dois lados de uma enseada comprida. Corcubión é conurbada. A verdade é que as duas ocupam as encostas de um cabo, que vamos agora subir, apreciando a paisagem pelo lado oposto. Vencemos a encosta e logo baixamos para atravessar a estrada e chegar a praia de Estorde. Uma praia minúscula, mas praia. Tinha até onda. A paisagem do Caminho agora é outra, completamente difrente. Depois de trinta e tantos dias de montanhas, planuras e bosques, a vista do mar é estimulante.
Mais uma subida e uma baixada e estamos em Sardinheira de Abaixo. Aqui, exatamente aqui, em 2007 nos começamos a ser guiados por um cao, um perro, o Jorge (relatei isso aqui mesmo no blog). Esperei por Jorge, mas ele nao apareceu. Caminhamos pela praia e pelo parque costeiro. Desta vez fomos acompanhados por um peregrino alemao que falava no deu idioma - que nao compreendo - e indagava de onde eu vinha e se ia para o albergue. Disse que sim e caminhamos juntos até o albergue.
Andamos pela beira-mar até quase junto do porto, onde fica o albergue. Nos atendeu Ana (Begonia, que nos atendeu em 2007, estava lá, cuidando de outros afazeres). Ana nao aceitou o alemao, porque ele nao caminhara o percurso inteiro e indicou-lhe albergues privados. Quando ela nos atendeu, perguntei por Jorge e ela disse que agora seu dono o mantém preso, para que ele nao guie mais os peregrinos. Fiquei triste.
Nos acomodamos, tomamos banho e fomos para o porto almoçar. De uma sacada, um grito familiar nos chama: é Angela, que estava se preparando para voltar para Santiago de ônibus. Com muita alegria nos reencontramos. Ela agora segue para a Italia, para um casamento. Fizemos a última foto e nos despedimos.
Quando chegamos no restaurante no Porto outra surpresa: reencontramos Sérgio, que chegara a Santiago ontem e resolvera passar o dia em Finisterre, onde chegara de ônibus.
Pedi uma porçao de percebes, a iguaria desta regiao e uma garrafa de vinho branco jovem para acompanhar. Nao se impressionem. É um crustáceo delicioso. E este aqui é simplesmente o melhor do mundo. Nao perderia uma experiência dessa por nada. Já o polvo nao estava lá grande coisa. Depois do polvo do Ezequiel, todos os outros parecem quando muito mais ou menos. Foi o caso.
Decidimos ir ao farol caminhando o mais rápido possível para voltar a tempo de tomar o ônibus de volta para Santiago. Sérgio, um verdadeiro coelho, vai na frente e puxa o pelotao.
Chegar ao fim do mundo dos antigos é uma experiência rara e única. Sei que nem todos peregrinos vem aqui, mas para mim é como se o Caminho ficasse incompleto. Aqui é o lugar onde ainda hoje as pessoas queimam uma peça de roupa, em um ritual algo pagao, é certo, mas que representa o renascimento, o surgimento de um homem novo. Porque é isso mesmo. Queimando ou nao as vestes, quem faz o Caminho se renova. O Caminho é um imenso rio de Heráclito em que se banham milhares todos os anos, há séculos, sempre se renovando. Esta é a sensaçao que tenho aqui neste cabo que - sei bem disso - aponta para o Sul e nao é o extremo continental da Europa (que fica no cabo Roca, em Portugal). Mas só aqui tem essa magia milenar que nos renova.
Voltamos e Sérgio fica, para esperar o por do sol. Para nós nao vai dar.
Na volta reencontro Paul, o rumeno-alemao que caminhava mais ou menos junto conosco. Ficamos alegres pelo reencontro de despedida. Ainda o vejo mais uma vez quando já estava no ônibus.
O percurso de volta foi pelo litoral recortadíssimo da Galícia. Foram três horas de paisagens lindíssimas, com cidadezinhas encantadoras na beira do mar, até chegar em Santiago a tempo de voltar ao mesmo albergue Acuario, onde César mais uma vez nos acolheu, com muita alegria, inclusive porque ele havia lido o agradecimento que deixara no Livro de Peregrinos para ele e para Luzia.
Assim termino meu Caminho de 2010.
Mas este nao é um ponto final, mas sim um ponto em seguida.
Pois encerro estas notícias dizendo, com sincera alegria: voltarei.
Comentários
Na Terça Feira seguimos para Muxia onde terminamos o nossoc aminho de 2010.
Fico feliz que tambem o seu tenha sido um exito.
Um abraço
António Pimpão (Nisa, Portugal)
antoniopimpao@hotmail.com
Tive noticias de voces pelo Osler e pela Lecy.
Foi uma felicidade conhecer voces, amigos e companheiros que ficaram para sempre na nossa mente e no nosso coracao amigo.
Nao fomos a Muxia. Voltamos na terca/feira mesmo para Santiago e eu parti no dia seguinte para Zamora, terra de minha avo, juntinho de Miranda do Douro e de Braganca, cidade/irma da minha.
Estou me preparando para fazer o Caminho Portugues e a duvida e se comeco em Lisboa ou no Porto.
Cumprimente nossos amigos.
Abracos fraternos do
Alencar