Notícias do Caminho - de Pereje a O Cebreiro

10 de maio de 2010, segunda-feira. Acordo cedo preparado para o frio e a chuva fina mais uma vez, com três camadas de roupa, anorak e poncho. No espelho, depois de vinte e tantos dias tive essa curiosidade, me acho com jeitao de peregrino. Cortei o cabelo e a barba com máquina dois quando saí de Belém e agora estou com uma aparência que me deixa a meio caminho entre Steve Jobs e Dalai Lama, parecendo também um guerreiro jedi.
Antes das sete e meia da manha já estou em Trabadelo tomando café. A caminhada continua pelo acostamento adaptado para andadero de peregrinos e assim vou passando por La Portela e Ambasmestas. A estrada corta o Rio Valcarce várias vezes e aqui ele se junta com outro rio. Nove horas passo por Vega de Valcarce e procuro o Albergue do Brasil, onde quero agradecer pessoalmente ao Itabyra a boa atençao que ele teve conosco - eu e Araceli - em 2007. Infelizmente, está fechado. Fico devendo dois agradecimentos pessoais agora (a ele e ao Jato) e tenho mais motivos para voltar a fazer o Caminho. Neste ponto noto que começo a sentir emoçoes contraditórias: alegria de estar cada vez mais perto de Santiago e a tristeza pelo fim do Caminho que já se avizinha; a saudade de casa e a vontade de voltar (para casa e para o Caminho). De certo é que vou chegar a Santiago, vou voltar para casa e voltarei ao Caminho.
Sempre sob chuva fina vou subindo rumo ao misterioso O Cebreiro: Ruitelán, Las Herrerias, La Faba e tudo envolto em brumas, brumas que aqui fazem sentido porque sao brumas mesmo, nao se trata de uma figura literária. É um fenônemo físico mesmo. É diferente. Se escrevesse aqui que era névoa, nao descreveria o que é. É bruma.
Depois de onze horas passo pela mesma Laguna de Castilla que passei três anos atrás, sob chuva também. Logo estou bem na divisa com a Galícia, que nos recebe com um potente marco de pedra. A verdade é que o Bierzo tem mais cara de Galícia do que de León e por isso mesmo as pretensoes de anexaçao fazem sentido. Agora sei que a Galícia chegou e eu estou mais perto de O Cebreiro e de Santiago.
O Cebreiro é cheio de mistérios e esta bruma permanente acho que é parte dele. Vou subindo e espero a qualquer hora ouvir uma gaita de foles me chamando no rumo certo. A paisagem é linda sob as brumas, mas gostaria de voltar um dia aqui no verao, para ver outra paisagem. Quando finalmente chego a O Cebreiro a bruma nos envolve a todos. O frio me faz tomar o rumo do mesmo bar do hotel onde paramos em 2007. O mistério continua e voltarei tantas vezes quantas forem necessárias para descobrir este mistério de O Cebreiro. Nao sei o que é, pois é mistério. Nas tem algo aqui que é diferente. Tomo um chocolate espesso que esquenta os ossos e a alma. Agora sei que vou ter que pernoitar aqui, pois estou encharcado e posso pegar uma hipotermia se insistir em passar, como fizemos eu e Araceli em 2007 (fomos para Fonfría).
Volto para a entrada para esperar meu amigo peregrino de Belém. Das brumas brotam fantasmagorias que ao passar por mim se tornam peregrinos de corpo e alma. Assim vao chegando todas as patotas. Logo mais, no albergue, por um sortilégio do Caminho, todas as fantasmagorias já haviam se tornado peregrinos completos, com botas, mochilas, capas e cajados. O albergue da Xunta é ótimo e nele vamos dormir, lavar e secar nossas roupas para o dia seguinte.
Resolvo almoçar na Venta Celta. O menu do peregrino me levou a um caldo galego bem quente e um guiso del dia (costela de porco salgada guisada). A sobremesa foi queijo de O Cebreiro (parecido com ricota) com mel.
Depois simplesmente nao consegui mais sair do albergue pois a chuva nao parou.
O Cebreiro ficou mais misterioso ainda para mim e voltarei aqui também por isso.

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