Deprê

A Folha de S. Paulo publicou este artigo de Nouriel Roubini (tem link para ele aí do lado direito).

São Paulo, domingo, 15 de novembro de 2009,

DEPRESSÃO ECONÔMICA

Economia dos EUA está mais fraca do que parece

Ricos estão se tornando mais ricos com a alta nas Bolsas, mas a maior parte do país enfrenta uma quase depressão

NOURIEL ROUBINI

Embora os Estados Unidos tenham recentemente registrado crescimento de 3,5% para o seu PIB no terceiro trimestre, o que sugere que a mais severa recessão desde a Grande Depressão está encerrada, a economia norte-americana na verdade está muito mais fraca do que os dados oficiais sugerem.
Os indicadores oficiais de Produto Interno Bruto podem superestimar grosseiramente o crescimento econômico, porque não capturam os sentimentos negativos que prevalecem entre as pequenas empresas e a sua severa queda de produção.
O PIB do terceiro trimestre, se corrigido de acordo com esses fatores, pode ter registrado crescimento anualizado de 2%, e não de 3,5%.
A história dos Estados Unidos, de fato, é um conto de duas economias. Existe uma parcela menor que está se recuperando lentamente e uma parcela maior que continua em profunda e persistente desaceleração.
Considere os seguintes fatos: embora o índice oficial de desemprego norte-americano seja de 10,2%, o número salta para chocantes 17,5% se forem incluídos os trabalhadores que perderam o ânimo de procurar emprego e os trabalhadores de tempo parcial. E, enquanto os dados empresariais sugerem perdas de 600 mil empregos nos últimos três meses, pesquisas domiciliares, que incluem os trabalhadores autônomos e as pequenas empresas, sugerem que essas perdas foram superiores a 2 milhões de postos de trabalho.
Além disso, o efeito total da tendência sobre a renda dos trabalhadores -o produto da multiplicação do número de empregos pelas horas trabalhadas e pelo salário médio por hora- foi mais severo do que aquele que os indicadores simples de demissões apontam, porque há empresas reduzindo as jornadas de trabalho de seus funcionários, colocando-os em licença não remunerada ou reduzindo salários como forma de distribuir os prejuízos.
Muitos dos empregos perdidos na construção, nas finanças, na manufatura e nos serviços terceirizados não serão recuperados, e estudos recentes indicam que um quarto dos empregos dos EUA pode ser terceirizado para outros países, com o tempo.

Sem esperança
Assim, proporção crescente da força de trabalho -muitas vezes por sob o radar das estatísticas oficiais- está perdendo a esperança de obter emprego remunerado, enquanto o índice de desemprego (especialmente para os trabalhadores pobres e de baixa capacitação) continuará elevado por período muito mais longo do que em recessões anteriores.
Considere também os mercados de crédito. As empresas e os consumidores com bons históricos de crédito e as companhias classificadas com o grau de investimento não passam por compressão de crédito no momento, porque dispõem de acesso a hipotecas e crédito ao consumidor, para as pessoas físicas, e ao mercado de ações e títulos, para as corporações.
Mas os agentes que não têm históricos de crédito favoráveis, cerca de um terço dos domicílios dos EUA, não desfrutam de muito acesso a hipotecas e cartões de crédito. Têm de viver de salário a salário, e esses salários muitas vezes estão em queda, devido à redução na remuneração por hora e do número de horas trabalhadas. E a compressão de crédito para as empresas que não tenham grau de investimento e para as companhias de menor porte, que ainda dependem mais de empréstimos bancários que dos mercados de capitais, continua severa.
Ou considere os números sobre concordatas e a inadimplência de domicílios e empresas. As companhias de maior porte -mesmo aquelas que enfrentam pesadas dívidas- são capazes de refinanciar seu passivo excedente, na Justiça ou fora dela; mas número sem precedentes de pequenas empresas estão quebrando.
O mesmo se aplica aos domicílios, com milhões de devedores mais pobres ou mais frágeis deixando de pagar hipotecas, cartões de crédito, prestações de automóveis, crédito estudantil e outras formas de crédito ao consumidor.
Considere também o que está acontecendo com o consumo privado e as vendas do varejo.
Recentes números mensais indicam uma recuperação nas vendas do varejo. Mas, porque as estatísticas oficiais capturam principalmente as vendas das grandes empresas de varejo e excluem as quedas nas vendas de milhares de lojas de menor porte e de empresas falidas, o consumo parece melhor do que de fato é.
E, embora os domicílios de maior renda e patrimônio contem com economias que podem atenuar a queda do consumo e a necessidade de poupar mais, a maioria dos domicílios de baixa renda se vê forçada a poupar mais, porque os bancos e outras instituições estão reduzindo os empréstimos garantidos por imóveis e os limites de cartões de crédito.
Como resultado, o índice de poupança domiciliar cresceu de zero para 4% da renda disponível. Mas é preciso que esse índice cresça ainda mais, para 8%, a fim de reduzir o pesado endividamento domiciliar.
É certo que o governo dos EUA está ampliando seus deficit orçamentários a fim de sustentar a demanda. Mas a maioria dos governos estaduais e locais que passaram por um colapso em arrecadação tributária deve reposicionar fortemente os gastos por meio de demissões de policiais, bombeiros e professores ou por cortes nas horas trabalhadas, o que resulta em menor renda para os trabalhadores, enquanto em Wall Street as bonificações absurdas retornaram.
Com a alta nas Bolsas enquanto cai o valor das casas, os ricos estão se tornando mais ricos, enquanto a classe média e os pobres, cujo principal patrimônio é uma residência, e não ações, estão se tornando mais pobres e se veem forçados a arcar dívidas insustentáveis.
Assim, embora os EUA possam ter chegado tecnicamente ao fim de uma severa depressão, a maior parte do país continua a enfrentar uma quase depressão. Pouco admira, portanto, que não muitos norte-americanos acreditem que aquilo que caminha como pato e grasna como pato seja na verdade a fênix da recuperação.


NOURIEL ROUBINI é presidente da RGE
Monitor (www.rgemonitor.com) e professor da Escola Stern de Administração de Empresas, na Universidade de Nova York.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Link:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1511200917.htm


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