Pergunta Óbvia
Sem tirar nem por:
CESAR BENJAMIN
Pergunta óbvia
Se a guerrilha colombiana está derrotada, para que serão construídas sete bases estrangeiras na Amazônia? |
EM 2002 fui convidado pelo governo colombiano, então chefiado por Andrés Pastrana, a integrar um grupo de cidadãos latino-americanos que tentaria facilitar o diálogo com a guerrilha. Estive no país nessa condição e retornei pessimista. Vi que forças poderosas agiam para impedir uma solução negociada. De um lado, a guerrilha superestimava sua força, exigia alterações profundas no sistema político e não avaliava corretamente a mudança de cenário em curso, com a crescente intervenção dos EUA no conflito.
De outro, o Estado, embora preservando rituais democráticos fundamentais, era incapaz de garantir a inserção política civil dos combatentes. Permanecia viva a memória da experiência da União Patriótica (UP), criada após os acordos de paz assinados entre o governo de Belisario Betancur (1982-1986) e as Farc.
Em 1986, como uma etapa do processo de desmobilização guerrilheira, a UP disputou eleições, elegendo bancadas parlamentares em todos os níveis, em quase todo o país. Seu candidato à Presidência, Jaime Pardo Leal, ficou em terceiro lugar, ameaçando o bipartidarismo conservador.
A progressão da paz, porém, foi abortada: em operações coordenadas, fulminantes, 3.500 dirigentes da UP foram assassinados, incluindo o candidato à Presidência e os que haviam assumido cargos eletivos. Os dois novos líderes do partido -Bernardo Jaramillo e o senador Manuel Cepeda Vargas- tiveram o mesmo destino, em sequência.
Os 3.500 homicídios seletivos e as mais de mil tentativas de homicídio em atentados falhados não levaram ninguém a julgamento, pois qualquer movimentação nesse sentido provocaria um golpe de Estado.
Com a UP exterminada, a solução militar -ou seja, a falta de solução- voltou a predominar. Era o que tentávamos ajudar a remediar em 2002, em um país que estava nitidamente cansado da guerra. Intitulei "O papel estratégico da paz" o meu pronunciamento na principal sessão dos trabalhos. Retiro um trecho e traduzo: "Há mais coisas em curso.
Refiro-me às movimentações que prenunciam a possibilidade de controle externo sobre a região amazônica a médio e longo prazos. Se não forem contidas, o que estará em jogo não é pouco.
Entre os processos que decidirão como serão redistribuídos riqueza e poder neste novo século, em nível mundial, destacam-se três: a capacidade de manejar a biodiversidade, de alterar a matriz energética e de controlar as reservas de água doce.
Essas três questões redefinem o papel da Amazônia no mundo. [...] Perdoem-me a sinceridade: é nesse contexto que vejo, com preocupação, a evolução da guerra civil na Colômbia. Ela poderá vir a ser a via de entrada de tropas militares estrangeiras na Amazônia. Além da dimensão humanitária, a construção da paz tem, para todos nós, uma dimensão estratégica".
Sete anos depois, vejo confirmados os meus temores. O processo de paz foi propositalmente inviabilizado.
A guerrilha -que, na origem, foi uma expressão da resistência camponesa à violência dos latifundiários, mas que está obviamente deslocada no tempo- passou a ser apresentada como uma quadrilha de narcotraficantes, um golpe midiático vulgar que visa a deslegitimar qualquer iniciativa de natureza política, a única que pode ser justa e eficaz.
Sob o pretexto de exterminá-la, criou-se um aparato militar que desequilibra o balanço de poder no continente. E agora, pela primeira vez na história, sete bases serão construídas na Amazônia para abrigar tropas estrangeiras e mercenários, estes apresentados sob o eufemismo de "terceirizados". Se a guerrilha está derrotada, como todos dizem, a pergunta óbvia é: para quê?
CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.
Link: http://www1.folha.uol.com.br/
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